Urgente: Moraes manda bloquear Telegram

O ministro Alexandre de Moraes do STF, mandou bloquear o aplicativo de mensagens Telegram de todos os provedores de internet. Moraes estabeleceu ainda que quem não obedecer a decisão fica sujeito a multa diária de R$ 100 mil.

Moraes atendeu a um pedido da Polícia Federal, que afirmou à Corte que “o aplicativo Telegram é notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais e policiais de diversos países, inclusive colocando essa atitude não colaborativa como uma vantagem em relação a outros aplicativos de comunicação, o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive com repercussão na área criminal”.

Segundo Moraes, a autoridade policial que tentou o contato com a plataforma pelos canais disponíveis, a fim de encaminhar as ordens judiciais de bloqueio de perfis, indicação de usuários, fornecimento de dados cadastrais e suspensão de monetização de contas vinculadas ao blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, não obtendo resposta em nenhuma das ocasiões.

Em 25 de fevereiro, o ministro já havia ameaçado bloquear o funcionamento do Telegram e aplicar-lhe multa diária, caso descumprisse ordem para suspensão de perfis de usuários, como o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. No dia seguinte, a plataforma suspendeu as contas. 

O aplicativo tem sido uma dor de cabeça para as autoridades brasileiras, ainda mais em ano eleitoral, em razão das fake news. Como a Crusoé mostrou, o aplicativo deverá ser o vilão das eleições. 

O TSE, por exemplo, tem defendido que só podem operar no país mídias sociais e aplicativos de comunicação que tenham sede ou representação oficial, para que a empresa possa ser responsabilizada segundo a legislação eleitoral.

No final de sua gestão no TSE, Luís Roberto Barroso tentou sem sucesso contato com o Telegram, pedindo a Pavel Durov, fundador do aplicativo, uma reunião para discutir possíveis formas de cooperação.

Um grupo de procuradores do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo, que está conduzindo um inquérito sobre desinformação e fake news em redes sociais e aplicativos de mensagens, considera solicitar o bloqueio temporário do Telegram durante as eleições de 2022.

Gabriela Coelho

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Sidney Possuelo, sertanista e ex-presidente da Funai, devolve em carta ao governo medalha do mérito indigenista

Ao Excelentíssimo
Senhor Anderson Torres
Ministro da Justiça Brasília, 17 de março 2022
Senhor Ministro,

Com imensa surpresa e natural espanto, tomei conhecimento de que o senhor Jair Bolsonaro foi condecorado com a medalha do Mérito Indigenista.

Ao longo da história da humanidade, os povos autóctones tornaram-se vítimas de toda sorte de atrocidades cometidas por representantes de sociedades que se acreditam civilizadas e tementes a uma potestade superior.

Os povos originários do continente americano – do Alasca à Patagônia – tiveram os territórios, onde milenarmente viviam, invadidos e drasticamente reduzidos. E, em nome de interesses sempre menores, condenados à morte.

Quando deputado federal, o senhor Jair Bolsonaro, em breve e leviana manifestação na Câmara dos Deputados, afirmou que “a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país”. Ofendeu o senhor Jair Bolsonaro, ao vocalizar sua crença, seus desejos, a memória do marechal Rondon, e por extensão do Exército brasileiro.

Dediquei minha vida ao trabalho de defender os direitos humanos de uma parcela da humanidade que vive em outro tempo histórico, mas que compartilha com a sociedade envolvente o mesmo tempo cronológico.

Há 35 anos, vivi a honra de receber a medalha do Mérito Indigenista. E como é de público conhecimento, delegou-me, em 1991, o coronel Jarbas Passarinho, então ministro da Justiça, a tarefa de demarcar, em nome do governo brasileiro, a Terra Indígena Yanomami. Meus companheiros e eu da Fundação Nacional do índio – Funai a cumprimos. E disso nos orgulhamos.

Entendo, senhor Ministro, que a concessão do Mérito Indigenista ao senhor Jair Bolsonaro é um flagrante, descomunal, ostensiva contradição em relação a tudo que vivi e a todas as convicções cultivadas por homens da estatura dos irmãos Villas Boas.

Por essas razões. senhor Ministro, devolvo ao governo brasileiro, por seu intermédio, a honraria que, no meu juízo de valor, perdeu toda a razão pela qual, em 1972, foi criada pelo presidente da República. Acompanha a presente mensagem, o estojo contendo Medalha do Mérito Indigenista, Pin, Broche e cópia do diploma.

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Fraga

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Ars est homo additus naturae*

Nesta época do ano, quando floresce a pedra d’água sobre montanhas de entulho, é preciso reduzir as expectativas, diminuir os discursos e modelar na face da Lua o espírito cambiante do magro poema. Há algo de ligeiramente disforme no ar que leva os olhos a procurar a guerra. E eu continuo insatisfeito com tudo. Com o andamento do Brasileirão, com as músicas, com essa coisa chata que está pegando e que se chama ‘atual conjuntura política e econômica’. E, principalmente, com a enxurrada de besteiras que assola a internet.

De trezentos e-mails, duzentos e cinquenta falam de como é importante a ‘amizade’, de quão solícitos e bondosos são os amigos, de como é bom ter a mão de um amigo por perto, de gente que adiciona a gente como amigo em um site qualquer, etc. E tudo com fotos de animaizinhos bonitinhos em atitudes que pretendem enternecer. E já descobri que os fazedores dessas mensagens nunca sabem como terminar. Sempre que acabam as fotos, ainda tem conselhos e lembretes. E o indefectível ‘repasse para seus amigos’. E eu vi uma revista que fala das novelas da Globo. Nas quatro chamadas de capa só coisas ruins: Fulana joga o carro em cima da Beltrana, Sicrana rouba o amor de Troiana, Gregoriano tenta matar Uruboiana, Sorana deixa o Boiano na miséria.

Coisas tão instrutivas e comoventes, não? E estou lendo o livro do Caetano (Verdade Tropical) e vendo que tudo não passou de ilusão e a garota do Ipanema agora vai a baile funk. A famosa utopia de ‘dar novos caminhos para a Música Popular Brasileira’ virou em forró, hip-hop, rap, tecno, sertanejo universitário e MTV. É nóis na rave! As rádios esqueceram tudo em nome da folia do jabaculê. As rádios estão nas mãos dos políticos e evangélicos. E eu aqui fico pensando que não é preciso estar atento e forte. Não é preciso aprender a ser só.

Não é proibido proibir. Ah, esqueci de dizer que os outros cinquenta e-mails são de coisas aleatórias, fotos engraçadas e nada de papo pessoal.  Undisclosed recipient e bocas fechadas. E Bacon disse: * ‘A arte é o homem adicionado à natureza’ e por isso o território da arte já está com superhipermegapopulação – virou Xangai!

*Rui Werneck de Capistrano é beletrista beligerante

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Piauí

O cartunista que vos digita (com a camiseta feita pelo Waldez) e Patrícia Basquiat, Salão Internacional de Humor do Piauí, Teresina, 2010.  © Vera Solda

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Para não dizer que não estive aqui

Às vezes, pego-me a matutar: que mal teria feito o Brasil a Nosso Senhor Jesus Cristo para suportar no ringue eleitoral, de um lado, o sapo barbudo que já se passou por Pai dos Pobres II, mas acabou chefiando a maior quadrilha já abrigada no poder público; de outro, o desequilibrado-mor, fascistoide genocida, que, em três anos de mandato, conseguiu acabar com a saúde pública e a educação, a economia, a segurança e a cultura nacionais. Mais: ambos tiraram o país do prumo, jogando irmão contra irmão, numa guerra fraticida sem precedente. Pairando sobre isso tudo, um judiciário e um ministério público omissos e mal intencionados, de olhos apenas nos próprios interesses.

E no Paraná, que já teve respeito político nacional? Reina, hoje, um moleque sem passado e sem futuro, de comportamento ambíguo, inaugurador de obra alheia e capaz de achar que pode acabar com a Covid-19 por decreto. Decretou o fim da peste, mas esqueceu de combinar com o vírus. Surpresas desagradáveis se avizinham.

Como opção, alevanta-se do esquife outro destrambelhado, que já teve importância, mas hoje não passa de uma caricatura.

E o povo, o que faz o povo. Passa fome, é obrigado a gastar o dinheiro que não tem, foge dos bandidos e chora. Não sabe a força que tem e se submete passivamente a escroques dos mais variados tipos. Quanta saudade do velho Vandré: “Vem, vamos embora / que esperar não é saber. / Quem sabe faz a hora / não espera acontecer”.

Oh, meu Brasil brasileiro, que já teve samba e pandeiro!… Nem isso tem mais.

P.S. – Não estou voltando. Ainda não. Esta é apenas uma breve passagem, como eu avisei que poderia acontecer. Em homenagem ao alagoano Ricardo Silva, com a minha solidariedade e certeza de vitória, e à lúcida dona Beatriz, sogra do Rogério Distefano, com os meus parabéns pelo 100º aniversário.

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Promessa de Bolsonaro de declarar fim da pandemia ignora acordo internacional

Nesta quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro afirmou à TV Ponta Negra, filiada do canal SBT no Rio Grande do Norte, que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, vai anunciar o fim da pandemia do novo coronavírus em abril.

“Devemos, se Deus quiser, a partir do início do mês que vem, com a decisão do ministro da Saúde de colocar um fim na pandemia, via portaria, nós voltarmos à normalidade no Brasil”, disse. “Não se justifica mais todos esses cuidados no tocante ao vírus, praticamente acabou. Parece que acabamos a situação da pandemia”, acrescentou.

Mas seu gesto ignora regras e convenções internacionais, assinadas pelo Brasil, assim como desafia a cautela pedida por parte dos organismos internacionais.

Apesar de ter registrado uma queda em número de novos casos de 15% e de óbitos na semana passada, o Brasil ainda aparece no mapa da OMS como o terceiro país com maior taxa de mortos no mundo no período de sete dias. Foram 3,3 mil óbitos na semana que terminou no domingo.

Jamil Chade

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#ForaBozo!

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Chuva de imagens

Lina Faria em Paraty. © Romulo Miranda

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Blecaute de notícias sobre a guerra na Rússia pode se virar contra Putin

O contraste entre os dois presidentes chamados Vladimir era notável. O primeiro, no controle do maior arsenal nuclear do mundo, discursava paranoico, com olhar de peixe morto. O outro, que usa a grafia ucraniana de seu primeiro nome, foi ovacionado de pé pelo Congresso americano depois de citar Martin Luther King.

Vladimir Putin acusou o Ocidente de tentar desmembrar a Rússia e de apostar numa “quinta coluna, traidores nacionais, aqueles que ganham dinheiro aqui, mas moram lá”. O discurso em videoconferência nesta quarta (16) sugere que o presidente percebe o catastrófico erro de cálculo que fez, não só no campo da batalha, mas também no front econômico na Rússia.

Um jornalista com amplo acesso ao vasto aparato de segurança do governo russo revelou há dias que todos os interlocutores com quem conversa, inclusive nos ministérios sem vínculos com as Forças Armadas ou espionagem, apontam o dedo apenas para Putin como o responsável pela guerra que já infligiu perdas sérias ao Exército, em vidas e material.

Como sempre, o russo acusa os outros do que quer fazer. Seu diretor de divisão da área externa do FSB (sucessor da KGB) estaria em prisão domiciliar depois de ter convencido o chefe de que havia cultivado uma sólida quinta coluna para apressar a queda do governo em Kiev. O governo ucraniano alega que, dias depois da invasão, “destruiu” uma força de assassinos de elite tchetchenos enviados à capital para matar o presidente Volodimir Zelenski.

É possível que a primeira arma usada por Putin para consolidar o poder, há 22 anos, não tenha mais a mesma eficácia. Antes mesmo de enquadrar oligarcas para não questionar sua autoridade, o presidente russo assumiu o controle da televisão no país que tem nove fusos horários.

Ele era um burocrata desconhecido quando foi nomeado sucessor de Boris Ieltsin, que renunciou no meio do mandato em dezembro de 1999. Em menos de três meses, o ex-espião da KGB teria que disputar sua primeira eleição, e um círculo leal no comando das redes de TV foi instrumental para transformar o medíocre funcionário público num estadista aos olhos dos eleitores.

Enquanto o Volodimir de Kiev comove diariamente uma plateia planetária, o Vladimir de Moscou dá sinais de temer o isolamento em discursos coléricos. Na fala de quarta-feira —oh, ironia—, o mais rico cleptocrata do mundo acusa seus oligarcas de serem corrompidos por patê de foie gras e as “chamadas liberdades de gênero”. Soa como seu protegido Donald Trump.

Putin talvez não perceba que a guerra imaginada como um passeio de poucos dias pode se revelar um tiro mortal na onda autoritária fascista que ele contribuiu para espalhar.

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The Specials – Guns of Navarone

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Fraga

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Filme russo ‘Verão’ talvez fosse notado em Cannes com guerra na Ucrânia

Obra de Kirill Serebrennikov recria a vida dos jovens roqueiros de São Petersburgo e formata um niilismo de fim de século

Assisti com atraso a “Verão”, filme de 2018 do cineasta russo Kirill Serebrennikov, sobre a insurgência das bandas de rock do início da década de 1980, na União Soviética de Brejnev.

Os protagonistas são personagens reais, Mayk Naumenko, da banda Zoopark, e Viktor Tsoi, do grupo Kino. Mortos no início dos anos 1990, antes de completarem 40 anos, eles partiram sem conhecer a perestroika.

Filmado em preto e branco, “Verão” recria de forma lírica a vida dos jovens roqueiros de São Petersburgo, que contrabandeavam LPs de Lou Reed, de Bowie, de Led Zeppelin e dos Stones, enquanto driblavam a censura. O filme mescla, com graça, o cotidiano da moçada russa underground, com clipes de canções de Iggy Pop e Talking Heads.

Acusado de desviar dinheiro público, Serebrennikov editou o filme na prisão. Selecionado para a competição em Cannes, “Verão” foi ignorado pelo júri. Fosse exibido agora, em meio ao retorno impensável das tensões da Guerra Fria, talvez tivesse merecido maior atenção.

Trata-se de uma obra de juventude, que me despertou uma baita de uma nostalgia. É impossível assistir sem pensar no BRock, até pelo fato de Naumenko lembrar demais o Frejat e Tsoi ter algo de Paulo Miklos.

Minha geração sofreu de complexo de inferioridade, frente à grandeza da MPB. Da tropicália aos Mutantes, tudo de divino e maravilhoso ficara para trás e, aos recém-chegados ao baile, restava apenas ouvir os velhos vinis arranhados dos pais. No estertor da ditadura, vivíamos condenados ao marasmo de um país deprimido, isolado, autoritário e falido.

Cazuza, Renato Russo, Arnaldo Antunes, Herbert Vianna e outros tantos vieram nos livrar da humilhação. Por fim, possuíamos poetas para chamar de nossos. E o que começou como brincadeira ginasiana terminou como um sólido movimento cultural.

Assim como para os heróis de “Verão”, o rock dos anos 1980 deu forma ao niilismo de fim de século, que nos diferenciava das gerações anteriores. Legião, Ultraje, Paralamas e Titãs eram a versão nacional do espírito daquele tempo, dividindo o espaço das rádios com Blondie, Police, The Cure e Prince. O BRock nos proporcionou, pela primeira vez, a sensação de pertencimento.

Hoje, vivo a dúvida de saber se fui eu que envelheci ou se foi a cultura que sucumbiu à pecha de mama-tetas e ao imperativo tecnológico das bolhas de likes. Talvez a branquitude tenha me tornado obsoleta e as grandes revoluções da arte estejam acontecendo longe do meu quintal.

De qualquer forma, a ideia do artista como agente transformador perdeu a antiga potência, e não só no Brasil. Num mundo de convicções inabaláveis, armado pelo moralismo fundamentalista de um lado e pelo cancelamento do outro, sobrou pouco espaço para a subjetividade. Às vezes, chego a crer que a mobilidade de opinião e gosto não é mais possível.

Aos poucos, passei a me contentar em falar com a fatia cada vez mais estreita dos que me cabem. E toda vez que me procuravam para assinar um manifesto, gravar um protesto ou mover uma ação, eu perguntava se algum banco, jurista, médico, cientista ou empresário de peso estaria envolvido na iniciativa, temente de que um movimento movido por artistas comprometesse a causa.

Um mês atrás, Paula Lavigne me chamou para participar do ato contrário à PEC do veneno, que aconteceu em Brasília, no dia 9 de março. Passei um tempo no vai não vai e acabei não indo. Não sou de enfrentamentos e a animosidade de Brasília para com os artistas me causa tanto angústia quanto engulho.

Paula tem temperamento aguerrido e, à frente do 342, entre outras conquistas, ajudou a salvar biomas, apoiou os sem-teto, levantou recursos para os profissionais do setor, antes e durante a pandemia, e se empenhou na defesa do direito autoral, discutindo as leis que regem a internet.

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A censura da realidade

O feminicídio não vai diminuir se os homens forem menos machistas nos livros

Em 2017, o Metropolitan de Nova York (Met) se recusou a tirar do acervo a pintura “Teresa Sonhando” (1938), de Balthus. Uma petição exigia que ela fosse removida por romantizar a sexualidade infantil. Segundo os signatários, o museu estaria “apoiando o voyeurismo e a objetificação das crianças”.

Artistas vêm sendo cancelados ao terem detalhes nefastos de suas vidas revelados. Ao visitar o passado com as lentes do presente não há como não dar de cara com pedófilos, machistas, racistas, xenófobos. Mas o revisionismo artístico pelo qual passamos tem aberto caminho para uma censura ainda mais perigosa no meio, a da realidade.

Parece óbvio, mas um quadro que retrata canibalismo não deveria ser encarado como exaltação ou romantização. Assim como os versos de uma canção com enredo de relacionamento abusivo. A cultura é instrumento para desnudar aspectos obscuros do ser humano e nos faz refletir. A realidade não é limpinha e nada nos serve que seja amenizada justamente pela arte. Ao chocar o público, por meio do drama ou do humor, joga-se luz onde há trevas. O que não significa normalizar preconceitos, abusos e crimes.

O boicote à obra de Balthus veio na onda, muito bem-vinda, do #metoo. É dessa época um trecho muito pertinente da famigerada “carta das francesas” que criticava “exageros do movimento”. “Os editores já estão pedindo para tornarmos nossos personagens masculinos ‘menos sexistas’, para falar sobre sexualidade e amor com menos desmedida…”.

Os números de feminicídio não vão diminuir apenas porque os homens são menos machistas nos livros. O estupro de vulneráveis não vai acabar com a censura de filmes. “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola”, que o governo quer proibir por “apologia à pedofilia”, é uma bobajada, mas mostra uma triste realidade. Predadores sexuais estão em ambientes considerados seguros para crianças. É isso o que deveria revoltar a todos.

Publicado em Mariliz Pereira Jorge - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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