Vivemos um daqueles momentos em que o assunto dominante é algo sobre que 99,99% das pessoas sabem nada ou quase nada. Devem calar a boca? Claro que não. Porque impacta a vida de todos, por mais distante que esteja. Eu também sei bem pouco da Ucrânia. Nunca estive lá. O mais perto que cheguei foi Curitiba. O Paraná tem uma importante comunidade de descendentes de ucranianos.
Um representante desse grupo é Júnior Durski, dono da rede de lanchonetes Madero. Ele também tem um restaurante que leva seu sobrenome, perto do largo da Ordem, no centro histórico de Curitiba. O cardápio é uma sucessão de pratos internacionais bestas e caros –filés e lagostas e risotos. Exceto por um certo “banquete eslavo”, uma sequência de pratos ucranianos e poloneses.
Esse “ucranianos e poloneses” sempre me intrigou. É ucraniano ou polonês, afinal? A família de Durski vem de Prudentópolis, cidade no miolo do estado do Paraná também conhecida como “pequena Ucrânia”. Os imigrantes que a povoaram vieram de um território chamado Galícia –nada a ver com a região homônima da Espanha.
A Galícia eslava, ao longo da história, já foi autônoma, ucraniana, polonesa e austro-húngara. Atualmente, a porção ocidental fica na Polônia e a oriental, na Ucrânia. Voltando ao banquete “ucraniano e polonês”, é uma sequência de pratos com borscht (sopa de beterraba), platzki (panquequinhas de batata) e pierogi (um tipo de ravióli), entre outras coisas.
Fui ao Durski e comi o banquete um par de vezes, muito tempo atrás, quando nem desconfiava que as preferências políticas do empresário me fariam sentir ojeriza por qualquer negócio de sua propriedade. Tudo estava delicioso, odeio admitir. Em especial o frango Kiev, peito empanado e recheado com manteiga de salsinha, úmido, no ponto perfeito.
O Durski é um restaurante formal, caro, com prataria, toalhas de duzentos mil fios e lustres escalafobéticos. Muito mais simpático é o BarBaran, boteco ucraniano num clube da comunidade ucraniana de Curitiba. É famoso pelo bolinho de carne. Um bolinho de carne comum, porém muito ucraniano. Todo país tem a sua versão da almôndega.
Quando estive lá, havia um drinque com vodca chamado “traumatismo ucraniano“. A piada já era ruim, mas eu adoro piada ruim; no cenário atual, perde completamente a graça. Bate um desalento em pensar que vivi meio século para encarar as desgraças do tempo dos meus avós: peste, fome, a ascensão do fascismo, o fantasma da guerra total.
A tragédia na Ucrânia não está tão distante assim. Afeta o preço do pão. Afeta milhares de famílias brasileiras que têm parentes por lá. Terá consequências que não podemos antever agora, mas pode sobrar para todo mundo. Para todo o mundo.