Mural da História – 2016

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Livro do Gênesis

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Bananas

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Poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Fernando Pessoa

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Musas

Charlotte Rampling. © Helmuth Newton

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Sinais de fumaça

fumar-é-careta

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Vale a pena ver de novo

Os grandes jornais que ainda existem no Brasil – parte final

Desde 1919 é o tradicional jornal da família paranaense. Publica, diariamente, dezenas de colunistas, mas mantém sob contrato apenas um: Pandolpho Philomeno (homenagem aos dois avôs) Paranhos de Medeiros e Albuquerque. Os Paranhos de Medeiros e Albuquerque, quando Curitiba completou 300 anos, já viviam aqui desde do ano de 1500. O primeiro deles chegou ao Brasil junto com Cabral e morrendo de calor na Bahia de Todos os Santos, emigrou para a Serra do Mar, onde, ao lado de muitos “pinhais”, construiu residência, ali no Lago da Ordem, ao lado da Casa Romário Martins.

Pandolpho Philomeno é professor catedrático de aramaico, árabe, hebraico, persa, grego arcaico e moderno e latim clássico e vulgar da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Paraná, onde se encontra aposentado, pela compulsória, desde o dia 31 de dezembro de 1969. Pandolpho Philomeno é conservador nos costumes e liberal na economia, não tomou nenhuma dose da “vachina” contra a covid e nas eleições presidenciais cravou o 17 com muita convicção. Convicto se encontra até hoje, tanto que, em outubro, pretende votar no 22, mas está desesperançado, crê firmemente que o TSE, por não adotar o voto impresso e principalmente por aquele “careca”, vai fraudar a eleição para o “Novededos”. Nunca pensou em se candidatar à Academia Brasileira de Letras, já que aos 133 anos de idade, se considera imortal.

A contratação de Pandolpho Philomeno foi um grande achado do jornal. Toda manhã chega na redação, abre suas redes sociais, vai correndo ler o “filho 02” e traduz para o vernáculo as palavras sem sentido algum do Carluxo. Depois, acrescenta verbo, sujeito, advérbio, artigos, pronomes, adjetivos, objetos direto e indireto, voz passiva e voz ativa, coisas que o Carluxo jamais imaginou que existissem. Ao final, tem um texto aparentemente legível nas mãos.

Para que os leitores não descubram o truque, Pandolpho Philomeno passou a criar vários pseudônimos: Alexandre Garcia, J. R. Guzzo, Rodrigo Constantino, Guilherme Fiuza, Luís Ernesto Lacombe e outros menos conhecidos. Como a maioria do povo brasileiro é de direita, “nossa bandeira jamais será vermelha”, o jornal, desde que contratou Pandolpho Philomeno, passou a fazer muito sucesso. A edição digital tem mais de 50 milhões de acessos por dia e a impressa, vendida em todas as bancas do Oiapoque ao Chuí, ultrapassa um milhão de exemplares/dia.

Paulo Roberto Ferreira Motta – 1960|2023

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O louco sempre tem razão

Gosto muito de um autor inglês, Gilbert Keith Chesterton, que, sendo também um exímio humorista, era não apenas um grande escritor como um escritor grande. De físico volumoso e avantajado, se movia com a agilidade de um jovem potro, sobretudo quando se tratava de esgrimir com ideias.

Não é sem motivo que Chesterton tenha passado despercebido pelos quatro ou cinco leitores que restam no Brasil. Ocorre que, além de gordo, ele era confessadamente um conservador, um pensador católico – se autodenominava um católico ortodoxo – fiel às concepções filosóficas de Santo Thomas de Aquino, seu santo de devoção, que, aliás, era também um tipo muito gordo, de barriga imensa, tanto que em sua mesa de trabalho foi recortada uma meia lua na qual ele se inseria pacientemente para poder ler e escrever – caso contrário não alcançaria nem os seus livros nem seus lápis. É o que consta a respeito desse pensador em cuja obra Chesterton busca se ancorar.

Cabe aqui um parêntesis.

Certa vez estava eu escolhendo livros numa livraria (claro, me refiro a um tempo em que havia livrarias, ou seja, um lugar onde era possível pesquisar assuntos, livros e autores) quando chegou um amigo, professor de filosofia, que de imediato veio bisbilhotar um dos livros escolhidos por mim.

– Ah, lendo autores da direita!

Não digo o nome do professor porque é um grande amigo, embora vítima de um equívoco político que já vicejava robusto no Brasil de todos os equívocos.  Militantes acham que devem ler só livros com os quais concordam – a esquerda com seus prediletos e a direita idem. Pois eu acho o contrário, com o que já entro no motivo pelo qual comecei citando Chesterton. Ao amigo, respondi assim:

– Como no futebol, é preciso saber o que pensam os adversários.

Pois Chesterton está entre os meus adversários que mais admiro. É um homem culto, inteligente, intelectualmente honesto – e que tem todo o direito de discordar de mim, pobre mortal. Por isso fico estarrecido quando vejo políticos e militantes esbravejando xingamentos uns contra os outros, muitas vezes sem ter a menor ideia do que o outro está dizendo. Bastam os chavões, as palavras de ordem, os berros histéricos. Nesse circo dos horrores, as divisões são claras: de um lado está a verdade, do outro não há verdade alguma.

Tento me explicar melhor. Um dos jornalistas que eu mais admirei foi Paulo Francis, o feroz polemista. Seu texto era um ringue, sobravam diretos de direita e de esquerda. No entanto, eu discordava de 80% do que o Francis escrevia. Mas ele era brilhante e isso me bastava. Era com o que eu arejava minhas próprias ideias.

Agora vamos ao Chesterton. Grande criador de frases fulminantes que não eram jogos gratuitos de palavras, mas estocadas que sintetizavam longas reflexões, com o que ele combatia os medíocres lugares comuns que circulam nos debates políticos e filosóficos.

Um desses lugares comuns reza que o louco é alguém que perdeu a razão. Diante da obviedade, Chesterton tragava prazerosamente seu inseparável charuto e fulminava:

– Não. O louco é alguém que perdeu tudo, exceto a razão.

Como não se pensou nisso antes? O louco sempre tem razão. O louco sempre tem na ponta da língua a solução para todos os problemas do mundo. Seja para acusar os judeus de todas as desgraças que nos abatem, como para apontar os negros como raça inferior. O louco, com duas pequenas ideias coletadas em alguma apostila ou manual, acusa genericamente a todos que não pensam como ele. É simples. Ele está certo e o resto do mundo está errado. Axioma primeiro da cloroquina.

Aliás, é curioso. O socialismo, tal como idealizado no século XIX, fracassou, a não ser que achemos que China, Rússia, Venezuela, Cuba, sejam modelos de países socialistas. Portanto, a direita no Brasil combate um mero fantasma, que tem como utilidade criar a paranoia coletiva do medo do comunismo. Da mesma forma, a esquerda, viciada em suas razões, perdeu o rumo e está perplexa. Desde que uma de suas estrelas sapateou num palco declarando que odiava a classe média, ela calou-se e, pelo que parece, não reflete mais.

Direita e esquerda, que estupidificam o debate de ideias no Brasil, são nossos loucos preferenciais. Estão cheias de razão, tudo sabem e tudo explicam.

Diante do que Chesterton soltaria uma baforada irônica de seu charuto e diria:

– Estão vendo? Perderam tudo exceto a razão. Estão cobertos de razão.

Portanto, o louco não perdeu a razão. Ele perdeu a solidariedade, o convívio fraterno, o humor, o respeito ao outro, a generosidade, a empatia, o reconhecimento e a aceitação do outro, com suas igualdades e diferenças.

Enfim, o louco já não sabe o que é amar.

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Roland Alphonso (1931|1998), um dos fundadores dos Skatalites, na Alemanha, década de 1980.  © Julio Covelo

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Mural da História – 2019

Revista Ideias|Outubro#216|Travessa dos Editores

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Família de Jéssica quer processar Choquei por difamação

Advogado diz que estão sendo colhidas provas para entrar com uma ação por danos morais contra a página de fofocas.

A família de Jéssica Vitória Canedo quer que o perfil de fofocas Choquei seja julgado pelo crime de difamação. A jovem de 22 anos tirou a própria vida na sexta-feira, 22, após ser envolvida por páginas que acompanham as vidas de celebridades em um relacionamento inexistente com o humorista Whindersson Nunes. 

O advogado da família, Ezequiel Souza, disse ao jornal O Globo que estão sendo colhidas provas para entrar com uma ação por danos morais contra a página em razão do conteúdo fraudulento disseminado na semana passada.

Estão sendo colhidas diversas provas para que a página seja enquadrada no crime de difamação, previsto no artigo 139 do Código Penal e se aplica a conteúdo falso propagado na internet ou fora dela”, afirmou o advogado.

“Ainda, caso seja constatado que o perfil fez e manteve a postagem após a ciência de que se tratava de conteúdo falso ou inverídico eles também se enquadram no crime previsto no artigo 171, uma vez que se enquadraria na divulgação de conteúdo fraudulento.”

Na quinta-feira, 28, o criador do perfil Choquei, Raphael Souza, prestou depoimento à Polícia Civil de Minas Gerais sobre a morte de Jéssica.

A página afirmou em comunicado que “foram fornecidas provas sobre o fato gerador da notícia falsa – que foi publicada originalmente por um outro perfil e republicada posteriormente pela Choquei — e foram disponibilizadas imagens de diálogos que mostram os procedimentos adotados assim que a falsidade foi descoberta, como a retirada imediata do conteúdo falso republicado”.

A alegação de que a retirada do conteúdo ocorreu de forma “imediata” após a falsidade ser descoberta foi questionada por nota da comunidade do X, o antigo Twitter.

“É mentira que a página Choquei tenha retirado imediatamente o post ao saber que era mentira. A página manteve o post no ar por dias, mesmo com uma Nota da Comunidade alertando sobre a fake-news”, diz a checagem.

A comunidade destaca que “o dono da página zombou do pedido de ajuda de Jéssica”.

Raphael Souza publicou o seguinte após Jéssica divulgar mensagem pedindo para pararem com as mentiras: “Avisa pra ela que a redação do ENEM já passou. Pelo amor de Deus!”.

A Choquei não foi a única página de fofoca — nem a primeira — a divulgar as conversas falsas que embasaram as mentiras compartilhadas sobre Jéssica e Whinderssson, mas foi o mais relevante perfil a participar do caso.

Além de ter maior alcance, a Choquei ganhou relevância política por emprestar seu canhão de visualizações e likes para a campanha de Lula em 2022. Como consequência, também virou alvo político.

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Colapso de uma ilusão – Autoajuda

A reação depressiva imobiliza a pessoa. O desapontamento pode deixar a pessoa triste, mas não imobilizada. Não confunda estado de tristeza com depressão. Mas, a gente confunde tudo e acaba deprimido por causa disso. Ou muito, muito triste. O reconhecimento e a aceitação de um sentimento mudam a qualidade do estado emocional. Perceber, tomar conhecimento e aceitar um estado emocional dá asas novamente. Suprimir as emoções é a pior coisa a fazer. Isso amortece a luz da vida, rouba a energia da alma. Vamos buscar vitalidade pras nossas vidas. Vamos nos mover pra corpo e alma em perfeita sintonia. Ou, pelo menos, correndo na mesma direção.

Por aí, se vai fácil a um livro de 500 páginas com o pomposo título Colapso de uma ilusão. Evoca-se ambiente, companhias, solidão. Trazem-se à tona supressões, medos, negações, hostilidades, atitudes inconclusas. E as páginas se enchem de análises, conselhos, padrões de comportamento. E a vida mesmo está bem ali, depois da porta, antes da janela, no sofá, na cozinha, no quintal. Fisicamente presente, emocionalmente ausente ou vice-versa. E, aos trancos e barrancos, olha-se pra frente e tenta-se viver agora. Sem esquecer o ontem. Uma carga muito pesada pra quaisquer ombros, barrigas, mãos, cérebros. Juntos ou esquartejados.

*Rui Werneck de Capistrano, nem ninguém, escreveu esse livro.

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Impeachment, em búlgaro

impeachment-em-búlgaro

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Os céus nunca são iguais

Estilhaçar a palavra até perder-me em águas profundas.

Mar bravo. Ondas altas. As ondulações arrebentam onde está mais raso.

Percorro com meus dedos onde está a falta, o silêncio, o vazio. Voraz paisagem em que a febre atravessa e preenche o pôr do sol. Deixo que a chuva espalhe o que foi escrito na areia como uma sentença, um recado, uma declaração, como uma carta não entregue, ao som de lágrimas e vertigens.

Perco a medida, o limite, a sensata proporção do possível.

Prefiro a ausência, o corte, a dúvida. Basta o que está na superfície carregado do óbvio.

Volto à palavra, antes dela, ao silêncio. Ao que pode se formar com os olhos cheios d’água.

Os céus nunca são iguais, como o seu rosto perdido entre todos, como o sopro de uma lembrança, como a memória submersa que um dia volta à tona, como o nó na garganta, a mão que desliza pelos cabelos, a pele que se troca quando se depara com o abismo.

Salto. Silêncio.

O branco traduz a insensatez.

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