Bozomoros & Moronaros

DOIS DIAS entrincheirado no quarto, numa quarentena dentro da quarentena. Dois dias, o tempo que passou entre o depoimento de Sérgio Moro e a divulgação de seu conteúdo. Um verdadeiro terror, ansiedade levada à enésima prepotência… O Brasil terá sua primeira guerra civil pandêmica? Explico, as outras guerras civis foram endêmicas: Balaiada, Sabinada, Mascates, Farroupilha, Canudos. Esta de agora envolveria todo o país, cada cidadão obrigado a escolher seu lado – Bozo ou Moro, Bozomoros contra Moronaros.

INSULTO recolheu-se a silêncio obsequioso e temeroso. Acima da idade e do peso, reservista de quinta, o editor sentiu a vida em risco, de morrer de ataque de pânico. Felizmente foi brisa de verão, fogo de palha. Ouvido na PF, o ex-ministro foi categórico: não atribuía qualquer crime ao presidente da República. Se a borboleta provoca o caos em São João do Triunfo ao bater as asas em Bandung, o pernilongo do ministro liberou um flato inaudível, inodoro e inofensivo. Como se diz na Maringá de Moro, muito peido pra pouca bosta. Perdão, bosta nenhuma.

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Que coisa!

soy-loco-por-teresina!vamos-coisar-joyce-vieira-foto© Joyce Vieira, Teresina, Piauí.

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Diretor-geral da PF escolhe novo superintendente do Rio, fora da lista de Bolsonaro

Tácio Muzzi vai substituir Carlos Henrique Oliveira, promovido a número dois da cúpula do órgão O diretor-geral da Polícia Federal, Rolando de Souza, definiu na noite desta terça-feira (5) o delegado Tácio Muzzi como novo superintendente do Rio de Janeiro. O nome do policial não estava entre indicados de Jair Bolsonaro.

Houve pressão interna para que o nome do novo superintendente não tivesse ligação com a família do presidente e que fosse de um delegado respeitado internamente, na tentativa de afastar suspeitas.

A escolha teve o aval do ainda atual chefe do órgão no estado, Carlos Henrique Oliveira, que foi promovido a número dois da PF em situação que gerou desconfiança.

Muzzi ficou de superintendente interino no ano passado por cinco meses após explodir a crise em agosto, quando o presidente da República pediu, pela primeira vez, a troca da chefia no Rio. Na época, ele era o braço-direito de Ricardo Saadi, que deixou o cargo depois de Bolsonaro anunciar sua demissão em uma das entrevistas matinais no Palácio da Alvorada.

A troca da chefia no estado nesta segunda (4), revelada pelo Painel, foi um dos primeiros atos do novo diretor-geral e levou a mais um capítulo de crise no órgão.

Em depoimento no último sábado (2), Sergio Moro relatou pressão de Bolsonaro para mudanças na cúpula da PF e na superintendência do Rio.​ O presidente havia sugerido nomes ao ex-ministro, Muzzi não estava entre eles.

Rolando está com sua diretoria definida. O novo chefe do Rio tem no currículo investigações consideradas importantes, como a que terminou na prisão do deputado estadual e ex-chefe da Polícia Civil do Rio Álvaro Lins. Durante a Lava Jato, ele chefiava a equipe de combate à corrupção.

Fora da PF, o delegado foi diretor do Depen (Departamento de Penitenciária Nacional) e diretor-adjunto do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional).

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“Liber” de livre

A liberdade de imprensa está inscrita na Constituição e ela assegura a independência perante os poderes instituídos. Desde o absolutismo medieval e as ditaduras ocidentais não mais se conhecem restrições à liberdade à imprensa e à liberdade de expressão.

Há autoridades, porém, que insistem em menosprezar estas garantias por meio da agressão aos jornalistas, intelectuais e artistas.

A liberdade de imprensa supõe a igualdade de tratamento aos jornalistas, independentemente, da orientação editorial. Proíbe-se discriminar jornalistas ou órgãos de imprensa em face de apoios ou desapoios em reportagens ou linha política. Vedam-se as regalias para alguns órgãos em desfavor de outros, as subvenções, as isenções ou os patrocínios diferenciados, por motivo de alianças político partidárias.

A independência e a liberdade de imprensa estão presentes na possibilidade de a imprensa desagradar os poderes instituídos, por meio de denúncias e investigações jornalísticas. O direito de fazer perguntas de forma livre, questionar e pedir explicações às autoridades é basilar à liberdade de imprensa.

Faz parte do dever ético moral de a imprensa poder informar à população de forma reflexiva e crítica o que se passa na sociedade e no mundo. Os governantes não podem agredir a imprensa, pois prevalece o dever constitucional de respeito à dignidade humana.

As autoridades públicas não podem encerrar coletivas de imprensa sem responder perguntas, não podem se calar, ou ainda desviar de propósito às indagações, com a fuga às perguntas. A liberdade de imprensa desafia o Estado pois ridiculariza o poder, garante assim o direito ao riso, ao deboche, ao escárnio e à crítica, ainda que ácida e mordaz.

O conceito de civilização opõe-se à barbárie, assim o absolutismo foi historicamente superado, há mais de trezentos anos. De quando em quando as sombras da tirania castigam a liberdade de imprensa impondo-lhe restrições, desde o cala-boca até a indiferença cínica.

Os demolidores da democracia não pretendem que o povo tenha opinião de forma livre, daí os ataques às liberdades públicas. Os poderes instituídos não podem agir como estátuas, omitindo-se ou retardando o exercício das liberdades públicas, se assim o fizerem são cúmplices do arbítrio.

Do latim liber significa livre, não sujeito, não subordinado. É justamente este direito que é garantido à imprensa pela Constituição.

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Choronavírus

“DOS FLUIDOS CORPORAIS o único que refiro é a lágrima”. A frase me embala há décadas, ouvida de uma doce e bela mulher, culta e elegante. Não cheguei a fazer da frase um mantra, como vez ou outra ouço da autora. Adotei a frase como axioma contra a linguagem gráfica. Por isso poupo-me de referir os demais fluidos corporais. Todos sabem. São como os sentidos: podem ser sentidos pelos sentidos.

Acontece que vivemos o anus horribilis da pandemia. E este requer medidas extremas, cuidados pessoais e o altruísmo a que não somos, os brasileiros, preparados pela vocação humana e pela educação cívica. Por exemplo, a escassez geral, que só não levou à calamidade porque a maioria das pessoas não segue o celerado que nos governo e se lança, como zumbis de cinema, sobre os estoques de comida nos mercados.

Água também, como já acontece no Paraná, que pena longa estiagem. A Sanepar vem dosando o fornecimento em Curitiba. Como aconteceu no edifício onde, em determinado dia, o síndico fechou os registros. Isso tudo é normal, previsível. Até mesmo o protesto lavrado pelo morador contra o síndico, que transcrevo com os cuidados da máscara de proteção e do álcool-gel, que recomendo ao leitor.

“Discordo de fechar o registro [de água] no horário mais quente do ano, das duas às seis da tarde. É o horário do banho de crianças e idosos. As fezes e a urina dos moradores ficarão retidas nos vasos sanitários por quatro horas, uma situação inadmissível.”

Pergunto ao leitor como enfrentou o aperto, ele idoso e com netos em casa, portanto dentro do grupo de risco do congestionamento dos vasos sanitários. Um lorde por direito de nascença e educação, imune à fornalha das tardes de outono, responde-me como a dama que emoldura estas linhas: chorei.

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Diário da crise XLIV

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Há vida inteligente nas lives das redes sociais

Vá além dos sertanejos bolsonaristas ou ridiculamente embriagados

Por aqui, nenhuma paciência para pagodeiros ou sertanejos bolsonaristas ou ridiculamente embriagados. Mas tem muita live boa para assistir durante o nosso confinamento. Seja no Instagram, seja no YouTube e até mesmo na televisão.

Das marcantes, por ora, cito Ivete Sangalo de pijamão com a família; Liniker, dona da melhor voz da atualidade; e Lulu Santos, sempre espetacular. Também tenho acompanhado a Monica Salmaso (@monicasalmasooficial) e seus convidados, e toda a programação do Sesc (@sescaovivo).

No “One World: Together at Home”, vi a Lady Gaga (amo sua voz!), e ela estava com aquela sobrancelha fake da “moda” (parece o logo da Nike). Elegi o John Legend como a única pessoa famosa do mundo da música com bom gosto para design de interiores, a casa dele é espetacular (e sua apresentação foi a mais bonita). Elton John cantando “I’m Still Standing” valeu a pena e, quando cada integrante dos Rolling Stones foi entrando (me senti no zoom com eles), eu confesso que chorei.

No Instagram tenho assistido a muita gente que admiro. Bruno Torturra (@torturra) arrasa sempre e agora ele tem uma série de conversas chamada “Tem Alguém em Casa” (a com o Glenn Greenwald foi demais).

Vejo ainda o pastor Henrique Vieira (@pastorhenriquevieira) para ter um pouco de fé, o biólogo Atila Iamarino (@oatila) para entender o que nos espera em termos de fim ou não da humanidade, e o Canal Brasil porque acho a Simone Zuccolotto (@simonezuccolotto –ela faz ótimas lives também) muito deusa e também para me agarrar à esperança de que o cinema sobreviverá.

 O André Trigueiro (@andre_trigueiro), principalmente quando fica nervoso, diz o que está entalado em nossa garganta. O Marcelo Freixo (@marcelofreixo) conversou com o Marcos Nobre (presidente do Cebrap e professor de filosofia da Unicamp) e me encheu de esperança. Marcos acredita que esse um terço de pessoas doentes que ainda apoiam o presidente deve diminuir. Se ainda existir uma mínima decência neste mundo, a crise na saúde mais a sanitária mais a econômica tendem a tirar a popularidade do fascista genocida.

Se você ainda não conhece o ativista e jornalista periférico Raull Santiago (@raullsantiago), tem que acompanhar pra sair da bolha e entender que na favela do Alemão eles não conseguem sequer lavar as mãos adequadamente (não tem água todo dia!), que dirá fazer quarentena em segurança. E você aí (eu incluída) reclamando de lavar tanta louça, né?

Pra quem gosta de samba, sobretudo da boemia carioca, as lives da cantora e ativista Teresa Cristina (@teresacristinaoficial) –sempre tomando sua cervejinha com charme, beleza e finesse– são a melhor pedida. Ela já homenageou Zeca Pagodinho e Chico Buarque. Não tem patrocinador, mas sobra amor. Eu tenho muita vontade de ser amiga dela.

Me falaram do economista Eduardo Moreira, mas eu não entendo uma pessoa que pretende ganhar ainda mais dinheiro criticando rico. Alguém me explica?

O Fábio Porchat (@fabioporchat) tem feito lives divertidas, a com o Pedro Cardoso foi a melhor. Já a participação do humorista numa live do Ciro Gomes me deu certa angústia, o Ciro não deixou o Fábio falar e depois só divulgou as partes em que ele mesmo fala pracarai.

O UOL me chamou pra fazer uma live cujo tema era “quarentena com crianças”. Tudo gente conhecida, mas, como vou falar mal, não vou colocar os nomes aqui. Eu fiquei praticamente em silêncio, vendo as pessoas se venderem, dizendo como são incríveis e fazem tudo tão bem para seus filhos. Ninguém angustiado, ansioso ou de saco cheio. Só a Maria Ribeiro, como sempre, deu a real.

A Vera Iaconelli tem participado como convidada de dezenas de lives (e com ela todas valem a pena; a da @taglivros com a @djamilaribeiro1 foi bem legal). E a Companhia das Letras (@companhiadasletras) tem feitos lives muito boas, no próximo dia 7 será com o neurocientista Sidarta Ribeiro. No YouTube tenho acompanhado a psicanalista Maria Homem, Marcelo Gleiser e Monica de Bolle.

Ontem a Maíra Azevedo (@tiamaoficial) fez uma live mostrando o seu treino fitness e tornou meu dia mais feliz. Cansei de ver gente sarada e rica me ensinando a meditar.

Publicado em Tati Bernardi - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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O mundo tem medo do Brasil

Qual a prova é necessária para condenar ou absolver? É provável que alguém seja culpado ou inocente, mas isto depende das provas.

As declarações públicas são provas de intenção ou de vontade, os escritos nas redes sociais, conversas públicas e entrevistas, de viva voz são provas irrefutáveis, ou melhor, provas cabais e robustas.

Tudo depende do contexto, um advogado liga para o outro e pergunta: – Você faz tráfico? O outro responde: – Sim! E logo em seguida: – Então vou te mandar um cliente que veio aqui no escritório.

O mentiroso tem alguns expedientes a seu favor: o silêncio, a invenção de outra história ou simplesmente a negativa do fato.

No Brasil, o jogo do bicho surgiu em 1890, e criou-se a expressão “vale o que está escrito”.

A confiança na banca de apostas sempre foi fundamental, daí o paradoxo, do bicheiro honesto, que também se perpetua na política brasileira. Assim como no jogo do bicho, os escritos, têm um alto valor probatório.

Quem usa aplicativos de comunicação pelo aparelho celular deve pensar dez vezes antes de escrever, afirmar, perguntar, insinuar ou responder algo. Tudo é gravado, monitorado e rastreado. Idêntico fenômeno ocorre nas redes sociais.

Em todos os carnavais é sempre a mesma coisa, os nus arrependidos da quarta-feira de cinzas. Negam tudo, mas fotografias, reportagens e filmagens atestam os umbigos arrependidos da cidade (Nelson Rodrigues).

Ao negar as provas irrefutáveis o autor do fato torna-se culpado e, de quebra, ridículo.

Na política a coisa é semelhante, nos desvios de condutas e de dinheiros, todos negam, ou negociam uma delação premiada. No Brasil a delação é premiadíssima, pouco tempo de prisão e ao final, piscina e mansão para descansar ou uma multa com o próprio dinheiro que foi desviado.

Depois, todos esquecem, e tudo volta ao normal. Foi assim com as concessionárias de pedágios no Paraná, o Rodoanel em São Paulo e tantos outros processos esquecidos.

O que não se pode esquecer é da grave omissão da qual as autoridades estão tratando a pandemia que assola o país, milhares de mortos e infectados, colapso em UTIs e caos nos cemitérios.

Está tudo dito, escrito, documentado e gravado, as provas estão aí para quem quiser ver. O mundo passou a ter medo do Brasil.

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Parto indolor

Queridíssima Urna:

Como você é do gênero feminino, criatura sensível e parideira de múltiplos filhos a cada 2 anos, escrevo para desejar o obóvio: que Nossa Senhora do Bom Parto lhe dê uma boa hora.

Aliás, fico felizão pelas suas sucessivas gestações a partir de 1990. Todas têm sido normais na maternidade da Nova República. Por enquanto, por enquanto.

Dá calafrios só de lembrar aquele terrível período entre 1964/1984: embora fértil e apta a engravidar, Urna, você deixou de ser fecundada pelo voto. Brutal impedimento pra poder dar à luz.

Pior ainda: em vez de a Urna ser a parturiente da vez, foi a Pátria que passou a ser estuprada pelo Exército, de 4 em 4 anos. Assim a coitada teve vários filhos dele. Todos ilegítimos, fora da união entre a Democracia e o Povo.

Nasciam de parto induzido, sempre a fórceps, já fardados. Nessas contrações antinaturais, era um sofrimento generalizado: doíam mais na família brasileira que na putaquepariu.

Hoje em dia a situação difere. Nos últimos 24 anos,
a dilatação ocorreu sem sustos e seus partos anteriores foram indolores. Mal saíram do seu útero democrático,
porém, as crias mostraram o quanto importa a paternidade partidária.

É um problema recorrente, Urna. Parece que de natureza nacional. Que se manifesta no DNA dos filhos: quase todos trazem o gene da corrupção, que é dominante. Sem esquecer da tendência dos pares de cromossomas se agruparem no corporativismo.

Mesmo com condição favorável a um parto sem intervenção cesárea, nem por isso a situação é menos apreensiva, como em todo parto. Seu obstetra, o TSE, se revela sério e competente, mostra compreender a delicadeza e a fragilidade do ventre eletrônico.

Embora até aqui bem assistida, cabe um alerta nesses dias que antecedem seu trabalho de parto em 7 de outubro. É que você talvez desconheça, ou nem percebeu, o quanto um primo dele, o STF, tem se intrometido na sua gestação.

Desde a postura pró-golpe na filha do seu último parto, o STF vive a dar palpites indevidos na vida política. E, agora, quer porque quer influir nas suas condições pré-parto. Se pudesse e se o STE deixasse, lhe aplicava uns pareceres e tentaria ser o parteiro. Não deixa de ser uma ameaça à sua tranquilidade, Urna.

As contrações que você vai sentir por 9 horas vão certamente agitar a família brasileira. Que se divide na torcida polarizada pelo nome, sexo, peso e origem do principal nascituro. Não é novidade, mas dessa vez o clima tá assustador.

A expectativa é que esse rebento não arrebente: seja sadio, sobretudo mentalmente. Um filho que não seja um monstro. Que não machuque os irmãos na placenta nem cause a morte da mãe durante o parto, nem depois. Um filho que se comporte – acima de tudo – se não como um civilizado, pelo menos como um civil.

A previsão é que no dia 7 você dê à luz a gêmeos (sem chances de univitelinos, são bebês bastante antagônicos). E serão esses que vão disputar o favoritismo da mãe no dia 28.

Relaxe, Urna. Apesar dos riscos e dos malucos que pedem a volta ao tempo da Urna esterilizada, os esperançosos vão torcer por você no domingo.

Adoro você. Tudo de bom.

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Camisinha no saco

NELSON TEICH, ministro da Saúde, esteve em Manaus doze dias depois da posse; a cidade é o caso mais crítico da pandemia do coronavírus. A estada do ministro foi documentada em vídeo sugestivo sobre sua aptidão para o cargo: vestiu a máscara protetora sobre o queixo. Que nem o desajeitado que usa camisinha no saco.

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E daí? A pulsão da morte

Entre mortos e doentes/ No meio dessas bananas/ Os meus ódios e os meus medos? E daí?” Essa poderia ser uma versão sinistra de Bolsonaro para a bela canção de Milton Nascimento “E daí?”.

Sua reação diante dos mortos pelo coronavírus não me surpreende. Creio que posso entendê-la, pois, de certa forma, venho falando dela desde o princípio do governo. Eu a chamei nos meus artigos de namoro com a morte. Era uma forma de sistematizar minhas críticas.

Umberto Eco afirma com razão que por trás de um regime e sua ideologia há sempre um modo de pensar e de sentir, uma série de hábitos culturais, uma nebulosa de instintos obscuros e de pulsões insondáveis. É essa pulsão de morte que contesto na política de armas, na retirada dos radares das estradas, no afrouxamento das regras de transporte de crianças nos carros.

No mesmo dia em que foi treinar tiro ao alvo, Bolsonaro disse sua frase histórica diante dos mortos na pandemia. Creio que entendo o que há por trás disso. Ele acredita na tese da imunização do rebanho. Nela, a saída é a inevitável contaminação da maioria para que se resolva de uma vez o problema.

Muitos cientistas afirmam isso. Pode ser que tenham razão. No entanto, o isolamento social torna espaçada essa contaminação, permite que os sistemas de saúde não entrem em colapso: salva vidas.

Bolsonaro até que compreende essa tese. Mas responde com outra: necessidade do crescimento econômico.

A pandemia coloca hoje em discussão o crescimento pelo crescimento. Amsterdã prepara-se para buscar modelos sustentáveis, depois da crise, com o argumento de que o crescimento pelo crescimento é, na verdade, a filosofia da célula cancerosa.

Durante a pandemia, manifestantes contra o isolamento social fizeram buzinaços diante de hospitais em São Paulo. A mensagem que queriam passar era da volta ao trabalho. Assim como não importava o conforto dos doentes hospitalizados, também não importavam as mortes que viriam de uma suspensão prematura da quarentena.

Nesse clima nacional, uma influenciadora digital dá uma festa em plena quarentena e lança o grito: “foda-se a vida”, uma versão tupiniquim do “viva a morte”.

Trabalho com essas resistências no cotidiano. Outro dia, resenhei o artigo de um médico americano que falava do avanço silencioso da pneumonia em pessoas atacadas pelo vírus. Para evitar tantas mortes, ele sugeria que se usasse um oxímetro para medir constantemente o nível de oxigênio no organismo.

Uma leitora reagiu furiosa a esse texto. Nunca mais me leria pois, segundo ela, não compreendo como o Brasil é pobre e não tem condições de pensar nesses instrumentos.

O oxímetro custa em torno de R$ 100. O que ela queria dizer é que estamos condenados pelas circunstâncias a um grande número de mortes.

As pessoas que não se resignam diante das mortes com a pergunta “e daí?” são vistas como personagens trágicas que se rebelam contra o destino.

É nesse contexto de namoro com a morte que se dá também a petrificação do pensamento, a recusa à modernidade, a negação de fenômenos planetários que podem nos inviabilizar como espécie.

Insisto nesse ponto porque a história nunca estará completa se nos detemos apenas no aquecimento global e deixamos de lado os hábitos culturais e as pulsões que o nutrem.

Quando escrevermos a história da passagem dessa peste pelo Brasil, não poderemos esquecer que ela foi politizada, tratada como um vírus comunista, e uma nuvem de suspeição se ergueu contra os que queriam combatê-la de frente.

Com um tempo e alguma pesquisa, talvez possamos estabelecer um paralelo com a chegada dos colonizadores ao continente. Um conjunto de mitos impediu que fossem vistos na sua dimensão real. E isso precipitou a ruína das civilizações aqui existentes.

Ao longo do caminho, tenho enfatizado algumas ideias. Uma delas é a necessidade de uma ampla frente pela vida para se opor à política da morte.

A outra é a confiança de que as pessoas mudam, nem todas é verdade, mas mudam. Quantos não concluíram, depois de atingidos, que o coronavírus não é apenas uma gripe comum?

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Todo dia é dia

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Então, tá

DAMARES ALVES, ministra da Mulher, defende o governo federal. Aliviada, diz que chegamos em maio sem que o coronavírus atingisse “um milhão de mortos”. Então, tá. Quando chegar a um milhão a gente começa a se preocupar. Podemos apressar a cifra: é só seguir o presidente.

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Diário da crise XLII

Tanta gente sumida com a pandemia. Pelo menos, Kim Jong-UN apareceu na Coréia do Norte. Outro dia, em mensagem a um amigo que ficou internado quatro semanas, disse que encontraria um mundo muito diferente ao sair.

Alguns cientistas dizem que o vírus ataca também os neurônios.

Mas não se pesquisaram ainda os estragos que fez mesmo sem contaminar ninguém, apenas pela sua presença invísivel e ameaçadora.

Há muita gente nervosa. Imagino o espanto de alguém que saísse em Curitiba, depois de uma longa jornada no hospital. As imediações da PF estão cobertas, como aliás sempre estiveram, com bandeiras do Brasil. No entanto, há grupos pró Moro e pró Bolsonaro trocando insultos e slogans. E um cinegrafista da Record sendo agredido aos gritos de abaixo a Rede Globo.

Imagino também as dificuldades de negociação no motim que explodiu esse sábado no Amazonas. Ninguém fugiu.

É que a situação está perigosa dentro e fora dos presídios.

Uma das percepções novas da janela é não ver mais ninguém sorrindo, porque todos estão de máscara. As próprias vozes soam um pouco abafadas.

Tinha um sonho de voltar a Portugal para ver minha filha.

Isso parece impossível. As empresas de aviação vão ter de reduzir drasticamente seus voos no futuro. E as passagens vão ficar caras e inacessíveis como no principio da aviação.

Mas isso tudo não chega a ser importante, diante do fato de estarmos vivos e aqueles que ainda podem trabalhando em casa.

O perigo ainda não passou. Pelo contrário, a epidemia avança no Brasil. Ouço relatos de pessoas que foram contaminadas mesmo sem sair de casa. Lá na frente, quem sobreviver poderá fazer um balanço mais sereno desse momento que marcou para sempre nossas vidas.

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Sábado de aflição que demorou a passar para Jair Bolsonaro e sua família

O depoimento do ex-ministro Sergio Moro à Polícia Federal, em Curitiba, durou nove horas. Quem acompanha com atenção o trabalho de Moro sabe da sua concisão para se expressar, por isso conta muito cada minuto do que ele fala. Este deve ter sido um sábado de aflição que demorou a passar para Jair Bolsonaro e sua família, numa aflição que certamente se estende a figuras importantes de seu governo.

Bem, piores dias virão para o bolsonarismo. Pelo que já se sabe, Moro confirmou as acusações da intromissão indevida do presidente na Política Federal, apresentando provas. Segundo o site O Antagonista, “além das mensagens de WhatsApp, ele apresentou emails e áudios de conversas — dele e de funcionários que autorizaram sua utilização”.

É evidente que durante sua permanência no Ministério da Justiça Moro procurou munir-se de documentação e qualquer outro tipo de comprovação. E ao contrário do que neófitos da política ou velhacos que nada aprenderam podem pensar, isso pode até ser oportunamente útil como prevenção política, mas em bons profissionais é nada mais que um hábito comum.

Claro que para alguém que foi juiz federal visado por criminosos de todas as esferas, documentar-se de todas as formas é algo natural. Moro deve ser o tipo de pessoa que guarda cuidadosamente até canhoto de recibo de lanche na padaria da esquina. Bem, no seu lugar eu estaria fazendo isso há décadas.

Duvido que ele não tenha muito bem documentado sua relação direta com o presidente Jair Bolsonaro. Desse modo, talvez ele possa também demonstrar a participação de figuras importantes da equipe de Bolsonaro com participação em manobras para forçar uma ingerência na PF, sendo obvio que esses figurões serão chamados a depor, dando continuidade à aflição de Bolsonaro e seus filhos e por enquanto sabe-se lá mais de quem.

Moro não fala por impulso e tampouco raciocina aos trancos, como faz Bolsonaro. Daí que pode-se avaliar que nove horas de conversa com seus antigos colegas devem ter rendido bastante. Sei como é difícil para a horda que ainda exalta este incapaz que por ora ocupa a presidência da República compreender que arrumaram um adversário difícil de derrubar, praticamente imune a contra-ataques completamente desonestos. Mas que se preparem, porque provavelmente além de ter muito a dizer, ele saberá fazê-lo no tom adequado.

E que os fanáticos que servem a este esquema de poder como idiotas úteis não pensem que Moro vai se apoquentar com a carga de insultos que corre pelas redes sociais. Com certeza um homem que botou Fernandinho Beira-Mar e Lula na cadeia não deixará de apoiar com tranquilidade a cabeça no travesseiro por causa de delinquentes menores sendo usados para espalhar fake news, criando bagunça e desinformação nas redes sociais.

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