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O inferno de Dante
Curso intensivo em cinco parágrafos para o novo presidente da Funarte
Dante Mantovani, o homem a quem Bolsonaro entregou a Funarte, órgão de fomento ao teatro, música, dança, circo e artes visuais no Brasil, declarou na terça-feira (3) que “o rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto, que por sua vez alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo”. Dante Mantovani deve saber o que diz. Mas, para seu conhecimento, aqui vão algumas informações.
Ao dançar o minueto, no século 18, os casais não se tocavam, o que os levava a sensações lúbricas que lhes provocavam terríveis sonhos eróticos, que ativavam o aborto, que, por sua vez, alimentava o satanismo. No século 19, surgiu a valsa, em que os casais dançavam entrelaçados, o que os levava a perigosas intumescências e lubrificações, e isso ativava o aborto, que por sua vez alimentava o satanismo. E o maxixe, a dança favorita dos hereges dos anos 1920, consistia de um entrelaçamento tão radical de pernas que até as tíbias e os joanetes tinham ereções, e isso, claro, ativava o aborto, que por sua vez alimentava o satanismo.
No flamenco, tradicional dança espanhola, as mulheres sapateiam em cima das mesas, chutando canecas e mostrando as coxas, enquanto os homens tocam alucinadamente castanholas, o que ativa o aborto, que por sua vez alimenta o satanismo. E o chá-chá-chá, dança cubana introduzida em 1960 por Fidel Castro no Brasil, seduziu uma menina chamada Teresinha. Todo dia ela dançava o chá-chá-chá, e isso a levou ao aborto, que por sua vez alimentou seu satanismo.
Ninguém está a salvo. As marchas militares, executadas em quartéis do Exército por orquestras 99% masculinas (raras mulheres tocam bumbos ou tubas), ativam sabonetes escorregadios no banho coletivo dos soldados depois da parada, o que pode não ativar o aborto, mas sem dúvida alimenta o satanismo.
Imagino que Dante Mantovani também desaprove o golden shower.
Publicado em Ruy Castro - Folha de São Paulo
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O chato apaixonado
Cogitei armar uma intervenção para o viciado poeta transante
Tenho um amigo que virou o clássico chato apaixonado. Passa meses sem falar comigo, deixando claro que está ocupadíssimo transando e compondo poesias (ele não é poeta, mas se tornou um —péssimo— desde que passou a transar tantas vezes por dia), e, de repente, como se nada fosse, eu recebo um arquivo gigante no meu email com umas 25 fotos e uns 12 vídeos da sua namorada atriz com a seguinte frase no assunto: “Mandar para a TV”.
A mensagem não vem com um mísero “oi, como vai?”, mas sortida de comandos de ordem disfarçados de pedidos de ajuda, no estilo “acha que consegue enviar hoje mesmo, por favor?”.
Se respondo um desinteressado “vou ver”, ele passa a ligar quase toda hora (quando não está transando ou compondo poemas terríveis sobre os mistérios das lágrimas transformadas em lantejoulas no céu) para me cobrar.
Se não digo nada, ele faz a mesma coisa, me liga diariamente a fim de saber se eu já vi o email ou se ficou preso na caixa de spam.
Se falo a verdade: “Não sei como ajudar, não mando em nada, não conheço as pessoas direito”, ele passa então a me ligar sempre, para me convencer do contrário.
Já pensei em mudar meu número de celular e meu endereço eletrônico e, mais grave, refleti seriamente em enviar o material da menina para os principais diretores da Globo (mesmo sem conhecê-los): “Em nome de minha saúde mental, venho por meio deste implorar por uma oportunidade…”.
Cogitei armar uma intervenção para o viciado poeta transante, mas os amigos em comum pularam fora, disseram ter passado pelas mesmas abordagens malucas e insistentes e que simplesmente mandaram o cara se foder.
Achei a ideia ótima e, recentemente, respondi apenas: “Cacete! Vai se foder!”, e ele gravou um áudio animadíssimo, achando que o xingamento era a minha forma de dizer: “Nossa, ela é incrível mesmo!”.
Desde então, já recebi as versões para feed do Instagram, Stories e foto quadrada para Facebook de uma participação da namorada em um curta (ele doou R$ 25 mil para o crowdfunding e depois disso foi morar com a mãe por 6 meses, porque teve de colocar o próprio apê no Airbnb).
Ontem eu estava comprando inhame orgânico quando dou de cara com quem? Virei o rosto, mudei o caminho, mas era tarde demais. Ele já foi logo me perguntando o que eu tinha achado do flyer para divulgar a balada em que a namorada atriz atacaria de DJ. Vejam: o homem tem 42 anos. E ele não é designer de flyer e nem baladeiro, mas se tornou as duas coisas —pessimamente— desde que passou a transar tantas vezes por dia.
Respirei fundo. Disse que no último mês minha filha teve algumas viroses e que eu envelheci 25 anos a cada uma delas, que pensei em mudar de profissão (será que viro psicanalista, já que estou há três anos tentando terminar meu romance? Será que viro romancista, já que mais nenhum roteiro meu será aprovado porque acabou o cinema?) e que meu marido ficou mais feliz com a vitória do Flamengo do que demonstrou por estar comigo, sequer por um segundo, em sete anos de relacionamento.
Falei também sobre o rock, que levava ao aborto, que levava ao satanismo, que levava a um ministro do Meio Ambiente que odeia a natureza, um ministro da Educação que odeia as universidades, uma agência de cinema que odeia o cinema e um certo negro racista a favor da escravidão.
O chato apaixonado foi se contorcendo, revirando, acorcundando. Seria a realidade lhe percorrendo as veias? Não, era para resgatar do fundo do bolso um amassado flyer de balada (em que a namorada atacaria de DJ). “Vai e leva uns amigos diretores da Globo, hein!”
Publicado em Tati Bernardi - Folha de São Paulo
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Saudade não tem idade
O cartunista que vos digita (com o chapéu do Ademir Paixão) e as revistas Gráficas com seus trabalhos: a primeira, nº 1, 1980 e a edição 66/67, 2009. Biscoito fino de Miran, el maestro. © Vera Solda
Publicado em Sem categoria
Com a tag O Cartunista que vos digita, revista gráfica, vera solda
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Zé da Silva
A mosca estava na sopa. Não tem outra explicação. Sem vergonha eu era. Comia buchada de bode no café da manhã. Jaca mole era sobremesa no almoço e jantar. Vegano agora sou. Dizem que envergano, pois voltei aos tempos de adolescente e fiquei como uma vírgula, de tão magro. Quarenta quilos se foram em uma semana. Não me perguntem como. Acho que era excesso de tudo.
Claro que fiquei feliz. Magrinho, o tal de órgão pareceu maior. Quase uma estrovenga Jorgeamadiana. Aí, aconteceu. Na sopa que fiz, seguindo todas as orientações que procurei no gugol. Meio aguada estava, mas na segunda colherada senti que algo desceu pela goela – e não estava no padrão. No dia seguinte acordei e fui me pesar, como faço diariamente na nova etapa da vida, mais com medo de desaparecer do que outra coisa. O horror! Ganhei todos os quilos perdidos e outros mais.
Olhei no espelho. A coisa sumiu. Me vi mulher. Foi a mosca! E ela não pousou. Ela mergulhou. Foi suicídio. Por que a desgraçada não tentou fazer terapia. Se quisesse, eu indicava o meu psiquiatra.
Publicado em Roberto José da Silva - Blog do Zé Beto
Com a tag roberto josé da silva, Zé da Silva
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‘Terrivelmente’ cristãos
Há governantes que gostam de impor seu poder pelo medo
No começo deste ano, ao assumir a pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves declarou que o Estado podia ser laico, mas ela era “terrivelmente cristã”.
Jair Bolsonaro gostou da expressão e, em julho, durante um culto evangélico, disse que ele pretendia nomear, para o Supremo Tribunal Federal , um juiz “terrivelmente evangélico”.
O que significa ser “terrivelmente” cristão ou evangélico?
Há governantes que gostam de impor seu poder pelo medo. Mas será que há cristãos que querem mesmo ser medonhos?
Muitos cristãos sentirão repulsa diante da ideia de afirmar a sua fé pelo medo que poderiam incutir nos outros. Entendo, mas o cristianismo “terrível” não é uma invenção de Damares e Bolsonaro.
Os cristãos, os judeus e os islamitas são exclusivistas, ou seja, adotam o Antigo Testamento, no qual Deus proclama: não terás outros deuses além de mim.
Agora, o judaísmo não se tornou missionário por isso. A ideia é: meu Deus é o único verdadeiro, os outros podem acreditar no que quiserem —eventualmente, veremos no fim quem tinha razão.
O cristianismo, ao contrário, tornou-se imediatamente missionário, como se a ideia de que só nosso Deus é o verdadeiro acarretasse o dever moral de convertermos a todos os que veneravam outros deuses. O Islã tomou um caminho parecido, com a consequência que as duas religiões parecem estar em guerra até hoje.
Duas observações: 1) É sempre sábio desconfiar dos que querem nosso bem —quer estejam vestidos de cruzados, de comunistas ou de pastores.
2) O caso dos judeus mostra que a crença que nosso Deus seja o único verdadeiro não nos dá necessariamente o dever e o direito de convertermos o mundo a ferro e fogo.
O cristianismo atribuiu a si uma vocação missionária universal ao lutar para se tornar religião oficial do Império Romano. Mas essa circunstância não explica por qual razão interna (e não só de expansão pelo mundo) os cristãos se tornaram logo “terríveis”. Por que precisaram que todos os outros adotassem as suas crenças e as suas regras de comportamento?
Talvez haja, nos anseios missionários, uma vontade de fazer o bem. É possível. Mas os anseios missionários, sobretudo quando se tornam impositivos e violentos, mal escondem a boçalidade. O que é a boçalidade? Nenhum cristão consegue controlar seus desejos “pecaminosos” e as dúvidas de sua fé.
Quanto mais os desejos e as dúvidas o pressionam, tanto mais ele se torna boçal, ou seja, tenta reprimir nos outros tudo o que ele não consegue reprimir nele mesmo.
A boçalidade cristã tem uma longa história, que, aliás, deveria ser contada nas salas de aula (isso, se as aulas não fossem lugares de doutrinação cristã e boçal, justamente). Durante o primeiro milênio, a boçalidade se encarregou de exterminar e apagar um outro cristianismo, menos ou nada boçal, que poderia ainda ser o nosso (para começar, veja M. Onfray, “O Cristianismo Hedonista”, ed. Martins Fontes).
No mesmo período, a boçalidade também destruiu a cultura clássica greco-romana (veja C. Nixey, “A Chegada das Trevas – Como os Cristãos Destruíram o Mundo Clássico”, ed. Desassossego).
E a boçalidade vingou quando, na Renascença, a razão começou a semear dúvidas. Será que a terra é plana ou redonda? Será que está mesmo ao centro do universo? Os boçais foram deveras “terríveis”: para afastar as dúvidas que surgiam neles mesmos, eles se puseram a queimar bruxas e hereges.
A ministra Damares se preocupou recentemente com a possibilidade de que uma feminista se masturbasse com um crucifixo.
Há 400 anos, numa praça de Toulouse, um jovem filósofo, Giulio Cesare Vanini, foi executado por pensar que há leis da natureza e que talvez haja evolução das espécies. Antes de ser estrangulado e queimado (e que suas cinzas fossem no fim dispersadas), o algoz lhe cortou a língua, culpada por falar demais.
Quase sempre, nos últimos momentos de um herege, havia um boçal “terrível” que lhe estendia um crucifixo, para que fosse a última coisa que o supliciado contemplasse. Não é improvável que o sangue de Vanini tenha espirrado no crucifixo. Se isso aconteceu, acredito que o sangue de Vanini sujou o crucifixo muito mais profundamente do que a lubrificação de qualquer feminista imaginada por Damares.
Sei, a história de Vanini foi 400 anos atrás…o tempo passou, não é? Mas a clínica mostra que os boçais continuam capazes de tudo para evitar encontrar seus próprios demônios.
Publicado em Geral
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Flagrantes da vida real
Michelle Pucci, em cena. © Maringas Maciel
Saudade do tio Tonico
Estava eu fazendo o abastecimento mensal de remédios na farmácia do japonês quando me lembrei do tio Tonico. A história é antiga, recebi-a pela internet, e até já a contei aqui, mas vale a pena recontá-la. Ou vocês acham que eu iria perder mais tempo e espaço com o destrambelhado capitão-presidente ou com o pequeno rato despersonalizado do Palácio Iguaçu?
Pois bem. Lembram-se do Tio Tonico? Ele estava bem de saúde, até que sua esposa, tia Marocas, a pedido da filha, a prima Totinha, lhe disse:
– Tonico, você vai fazer 70 anos, está na hora de fazer um check-up com o médico.
– Para quê? Estou me sentindo muito bem! – respondeu o marido.
– Porque a prevenção deve ser feita agora, quando você ainda se sente jovem – disse a tia.
Então, tio Tonico foi ver um médico. Esse, sabiamente, mandou-o fazer testes e análises de tudo o que poderia ser feito e que o plano de saúde cobrisse.
Duas semanas mais tarde, o médico avisou que os resultados estavam muito bons, mas tinha algumas coisas que podiam melhorar. Então, receitou: comprimidos Atorvastatina para o colesterol, Losartan para o coração e hipertensão, Metformina para evitar diabetes, Polivitaminas para aumentar as defesas, Norvastatina para a pressão e Desloratadina para alergia. Como eram muitos medicamentos, havia que proteger o estômago. Então, ele indicou Omeprazol, e um diurético para prevenir os inchaços.
Tio Tonico foi à farmácia e gastou boa parte da sua aposentadoria em várias caixas requintadas de cores sortidas.
Nessa altura, como ele não conseguia se lembrar se os comprimidos verdes para a alergia deviam ser tomados antes ou depois das cápsulas para o estômago e se devia tomar as amarelas para o coração antes ou depois das refeições, voltou ao médico. Este lhe deu uma caixinha com várias divisões, mas achou que titio estava tenso e algo contrariado. Receitou-lhe, então, Alprazolam e Sucedal para dormir.
Naquela tarde, quando ele entrou na farmácia com as receitas, o farmacêutico e seus funcionários fizeram uma fila dupla para ele passar no meio, enquanto aplaudiam.
Mas, em vez de melhorar, tio Tonico foi piorando.
Ele tinha todos os remédios num armário da cozinha e quase já não saía mais de casa, porque passava praticamente todo o dia controlando os horários e tomando as pílulas.
Dias depois, o laboratório fabricante de vários dos remédios que ele usava, deu-lhe um cartão de “Cliente Preferencial”, um termômetro, um frasco estéril para análise de urina e lápis com o logotipo da indústria.
Tio Tonico deu azar e pegou um resfriado. Tia Marocas, como de costume, fez ele ir para a cama, mas, desta vez, além do chá com mel, chamou também o médico. O esculápio disse que não era nada, mas prescreveu Tapsin para tomar durante o dia e Sanigrip com Efedrina para tomar à noite. Como poderia ter uma pequena taquicardia provocada pela efedrina, receitou também Atenolol. Achou melhor também que Tio Tonico tomasse um antibiótico, para evitar complicações. 1 g de Amoxicilina, a cada 12 horas, durante 10 dias.
Apareceram fungos e herpes, e ele então receitou Fluconazol com Zovirax.
Para piorar a situação, Tio Tonico começou a ler as bulas de todos os medicamentos que tomava, e ficou sabendo todas as contra-indicações, advertências, precauções, reações adversas, efeitos colaterais e interações medicamentosas.
Leu coisas terríveis. Não só poderia morrer, como poderia ter também arritmias ventriculares, sangramento anormal, náuseas, hipertensão, insuficiência renal, paralisia, cólicas abdominais, cefaleias, alergias, tosse, alterações do estado mental, inchaços e um monte de coisas terríveis. Com medo de morrer, chamou o médico, que lhe disse para não se preocupar, porque os laboratórios só colocavam aquilo para se isentar de culpa.
– Calma, seu Tonico, não fique aflito – reafirmou o médico, enquanto prescrevia uma nova receita com um antidepressivo Sertralina, e mais Rivotril 100 mg. E como o tio estava com dor nas articulações deu Diclofenaco.
Desde então, sempre que o tio recebia a aposentadoria, ela ia direto para a farmácia, onde já tinha sido eleito cliente VIP.
Chegou um momento em que o dia do pobre tio Tonico não tinha horas suficientes para tomar todas as pílulas. Assim, ele já não dormia, apesar das cápsulas para a insônia que haviam sido prescritas. Ficou tão ruim que, um dia, conforme já advertido nas bulas dos remédios, ele penou mais de 100 dias numa dessa UTIs mercenárias e “veio a óbito”.
No funeral tinha muita gente, mas quem mais chorava era o farmacêutico.
Die Kinder Dieser Welt
Inglaterra – © Erika Sulzer-Kleinemeier
Publicado em Geral, Sem categoria
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O amigo Bozo
Bolsonaro saliva para Trump e recebe bofetadas em troca
Donald Trump, quando quer insultar seu desafeto Jeff Bezos, dono da Amazon e do jornal The Washington Post, chama-o de Jeff Bozo. Comparar alguém ao famoso palhaço da televisão americana parece ser a suprema ofensa. Não por acaso, é assim também que multidões de brasileiros se referem, sem cerimônia, a um amigo de Trump: Jair Bolsonaro —o Bozo.
Mas será Trump tão amigo assim de Bolsonaro? Esta semana, Trump aplicou em Bolsonaro e, consequentemente, no Brasil, mais uma bofetada na área econômica. Em nova medida protecionista dos interesses americanos, sobretaxou o aço brasileiro em 25%. Outras medidas recentes de Trump incluíram a manutenção do embargo da carne bovina brasileira nos EUA e não estar nem aí para a sonhada candidatura do Brasil à OCDE. Preferiu apoiar a candidatura da Argentina.
Não adiantou também Bolsonaro importar oceanos do etanol de Trump para lhe vender açúcar —Trump não comprou. E foi olímpica a indiferença com que Trump recebeu de Bolsonaro a eliminação da exigência de visto para os americanos que queiram vir ao Brasil.
Embora Bolsonaro se diga íntimo de Trump e com livre entrada na Casa Branca, é possível que Trump só consiga identificá-lo entre dezenas de governantes do 2º time quando brifado por seu assessor em América Latina —região esta que, para Trump, se resume ao México e, talvez, por causa do petróleo, à Venezuela. Quanto a Bolsonaro transitar pela Casa Branca, só se juntando a uma excursão de turistas.
Bolsonaro não ganhará nada em continuar salivando à simples menção do nome Trump. Sempre que necessário, Trump ignorará essa sabujice explícita e botará Bolsonaro simbolicamente em seu devido lugar, amarrado à casinha no quintal. E não é impossível que, ao ouvir do assessor o nome Bolsonaro, o próprio Trump —se se lembrar dele— também o chame de Bozo.
Publicado em Ruy Castro - Folha de São Paulo
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