Palminor Rodrigues Ferreira, o Lápis

Era uma noite de 1810
A boca que se abria
Na Marechal Deodoro 1810
Para beber do bolso da gente
1810 doses de martini
Em troca de outras tantas
Doses que a noite traz

Era uma noite
Das nossas primaveras
Cheias das noites cheias de Vinicius
E das flores cheias de João

Era uma noite
De aproximadamente maio
Depois do Bar Paraná
(os órfãos da sopa húngara andavam sem rumo
como os que se perdem no Saara)

No 1810 Lápis e seu permanente bambolê
De curiosos amigos mulheres
Boêmios músicos
Rostos apaixonados que se trocavam
Através das noites de Curitiba
Em torno da sua voz e do seu talento

É o último Rei da Noite
Murmurou meu copo
Cheio de razão
O último Pois que ser Rei da Noite
Já não será possível
Nesta cidade em que as noites são tantas
Vivi o tempo
Em que todas as noites
De Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba
Pertenciam a este rei
Detentor de bela figura
Pulseiras ternos coloridos
Colares cravos na lapela
Suave reverência
Violão na caixa
Tudo direitinho?

As noites eram suas possessões
E ele as visitava regularmente
Com a singularidade e a pluralidade
Que já trazia em seu nome
Como convém aos reis

Escreveu-se entre as mesas do Tic Bar
Jane 2 Cascata da Sereia
Centro Comercial Curitibano
Stuart
Palácio
Carreteiro
Sem Nome
Leleco
Luiz
Hermes
Pasquale
E uma pá de espaços
Como um brilho pulsando
Ruas que se estenderão para sempre entre as mesas Iluminadas ilhas
Na memória das nossas noites

Vivi as noites que se curvaram
Em respeitosa homenagem
Ao soberano das rodas

Altivo
Transfigurava até os mais pobres conhaques
Servindo-os ao seu violão
Que por sinal também fumava
Num show de ventriloquia
De mágica humor e música
Que era o seu preferido

Nesta noite de 1810
E nas 1810 noites seguintes
Abracei sua majestade
Com a honra de ser por ele
Eleito parceiro seu

Violão taco e cavaco de respeito
Gente fina companheiro amigo
E deixemos de lero-lero
Que o rei não é rei de leques
E nem de salamaleques

Ao último Rei da Noite curitibana, Lápis, dedico a próxima dose. A penúltima, tudo direitinho?  

Texto  para o Caderno da Fundação Cultural de Curitiba, editado por Aramis Millarch logo após o falecimento do violonista, compositor e cantor Palminor Rodrigues Ferreira, o Lápis.    

Palavraria

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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