Parto indolor

Queridíssima Urna:

Como você é do gênero feminino, criatura sensível e parideira de múltiplos filhos a cada 2 anos, escrevo para desejar o obóvio: que Nossa Senhora do Bom Parto lhe dê uma boa hora.

Aliás, fico felizão pelas suas sucessivas gestações a partir de 1990. Todas têm sido normais na maternidade da Nova República. Por enquanto, por enquanto.

Dá calafrios só de lembrar aquele terrível período entre 1964/1984: embora fértil e apta a engravidar, Urna, você deixou de ser fecundada pelo voto. Brutal impedimento pra poder dar à luz.

Pior ainda: em vez de a Urna ser a parturiente da vez, foi a Pátria que passou a ser estuprada pelo Exército, de 4 em 4 anos. Assim a coitada teve vários filhos dele. Todos ilegítimos, fora da união entre a Democracia e o Povo.

Nasciam de parto induzido, sempre a fórceps, já fardados. Nessas contrações antinaturais, era um sofrimento generalizado: doíam mais na família brasileira que na putaquepariu.

Hoje em dia a situação difere. Nos últimos 24 anos,
a dilatação ocorreu sem sustos e seus partos anteriores foram indolores. Mal saíram do seu útero democrático,
porém, as crias mostraram o quanto importa a paternidade partidária.

É um problema recorrente, Urna. Parece que de natureza nacional. Que se manifesta no DNA dos filhos: quase todos trazem o gene da corrupção, que é dominante. Sem esquecer da tendência dos pares de cromossomas se agruparem no corporativismo.

Mesmo com condição favorável a um parto sem intervenção cesárea, nem por isso a situação é menos apreensiva, como em todo parto. Seu obstetra, o TSE, se revela sério e competente, mostra compreender a delicadeza e a fragilidade do ventre eletrônico.

Embora até aqui bem assistida, cabe um alerta nesses dias que antecedem seu trabalho de parto em 7 de outubro. É que você talvez desconheça, ou nem percebeu, o quanto um primo dele, o STF, tem se intrometido na sua gestação.

Desde a postura pró-golpe na filha do seu último parto, o STF vive a dar palpites indevidos na vida política. E, agora, quer porque quer influir nas suas condições pré-parto. Se pudesse e se o STE deixasse, lhe aplicava uns pareceres e tentaria ser o parteiro. Não deixa de ser uma ameaça à sua tranquilidade, Urna.

As contrações que você vai sentir por 9 horas vão certamente agitar a família brasileira. Que se divide na torcida polarizada pelo nome, sexo, peso e origem do principal nascituro. Não é novidade, mas dessa vez o clima tá assustador.

A expectativa é que esse rebento não arrebente: seja sadio, sobretudo mentalmente. Um filho que não seja um monstro. Que não machuque os irmãos na placenta nem cause a morte da mãe durante o parto, nem depois. Um filho que se comporte – acima de tudo – se não como um civilizado, pelo menos como um civil.

A previsão é que no dia 7 você dê à luz a gêmeos (sem chances de univitelinos, são bebês bastante antagônicos). E serão esses que vão disputar o favoritismo da mãe no dia 28.

Relaxe, Urna. Apesar dos riscos e dos malucos que pedem a volta ao tempo da Urna esterilizada, os esperançosos vão torcer por você no domingo.

Adoro você. Tudo de bom.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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