Patrulha da língua

Cartilha pública que imputa racismo à palavra “esclarecer” é manifestação clara de obscurantismo

A Prefeitura de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, lançou uma cartilha com termos racistas que devem ser evitados por professores e alunos. Intitulado “Expressões Racistas: Por que não usar?”, o material foi produzido pelo Centro de Capacitação dos Profissionais da Educação e tem só duas referências bibliográficas: uma cartilha do TSE e uma reportagem da BBC.

Entre os 36 verbetes listados, há expressões de fato racistas como “cabelo ruim” e “serviço de preto”. O problema é a inclusão de termos que, segundo especialistas, não têm relação com discriminação racial, como “criado-mudo”, “feito nas coxas” etc. Ou seja, é dinheiro do contribuinte usado para ensinar conteúdo falso que promove censura.

A presença do termo “esclarecer”, por exemplo, causa espanto. O racismo se dá porque a palavra “transmite a ideia de que a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo da dúvida e do desconhecimento as coisas negras”.

A explicação confunde cor da pele com uma metáfora que surge a partir da relação ancestral entre homem e a natureza. Na noite da savana africana, nossos antepassados temiam predadores que não conseguiam ver. Daí a relação entre escuridão e ignorância, claridade e conhecimento.

Por isso o termo “Idade das Trevas” foi cunhado por humanistas no Renascimento para imputar falta de progresso intelectual à Idade Média. Da mesma forma, “Iluminismo” ou “Era das Luzes” designam o período histórico no qual se acreditava que a razão e o conhecimento trariam luz à humanidade, dissipando a ignorância do passado.

Uma cartilha que bane a palavra “esclarecer” está, portanto, na escuridão, propagando dogmas sem sentido para patrulhar a língua. Curioso que ditos progressistas que apoiam essa patrulha usem “obscurantismo” para falar daqueles que se opõem à ciência, quando a origem do sentido do termo é a mesma de “esclarecer”, a tal palavra racista. São obscurantistas e não conseguem ver.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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