Mais uma do Agrippino, desta vez com Graciliano – parte I

Graciliano Ramos (de Oliveira) (Quebrangulo, Alagoas, 27/10/1892 – Rio de Janeiro, 20/03/1953), depois de perambular com o pai e os irmãos por várias cidades do Nordeste, veio dar com os costados no Rio de Janeiro, por volta do início da década de 1910. Para sobreviver, escrevia, e era mal pago, para o “Correio da Manhã” e para a revista “O Malho”, vivendo no miserê. No meio do ano de 1915, teve que voltar às Alagoas, tendo em vista que seus quatro irmãos foram vítimas fatais da peste bubônica e o pai necessitava de sua ajuda no pequeno negócio que mantinha.

Escolheram residir em Palmeira dos Índios e, nas horas vagas, Graciliano escreveu seu primeiro livro, “Caetés”, e jogou os originais na gaveta, eis que não havia, no Estado, editoras. Também aproveitou para casar com Maria Augusta de Barros, com quem teve quatro filhos. Em 1920, ficou viúvo e em 1928 contraiu segundas núpcias com Heloísa Leite de Medeiros, com que teve, mais uma vez, quatro filhos. Candidato único, em 1927, foi eleito prefeito da cidade, onde escreveu dois relatórios ao governador do Estado de Alagoas (alusivos aos anos de 1928 e 1929). O governador ficou impressionado, não só com a atividades realizadas por Graciliano, mesmo com o baixíssimo orçamento de que dispunha, mas, principalmente, com o estilo literário com que Graciliano descreveu suas atividades como prefeito municipal. Sabe-se lá como, os relatórios foram encaminhados ao Rio de Janeiro e colocados num escaninho qualquer de um Ministério. Com a Revolução de 1930, Graciliano Ramos renunciou ao cargo de prefeito, antes que o interventor, nomeado por Getúlio Vargas, o colocasse no olho da rua, o que de resto fez com todos os outros prefeitos.

Em meados de 1933, um Rogério Distéfano da vida, que nas horas vagas fica furdunçando petições antigas e processos ainda mais arcaicos, resolveu ler os tais relatórios elaborados por Graciliano Ramos. Ficou impressionadíssimo com o estilo literário utilizado e desconfiou que por trás dos mesmos se escondia um grande romancista. Repassou os relatórios para o amigo Augusto Frederico Schmidt.

Schmidt era intelectual de nomeada, dominava vários idiomas, e rico, muito rico, herdeiro do Visconde de Schmidt, uma das maiores fortunas do Império. Numa viagem aos Estados Unidos, descobriu os supermercados e, na volta, instalou uma rede deles, com o nome de “Disco”, por todo o Rio de Janeiro, aumentando consideravelmente sua fortuna. Teve arroubos integralistas, mas logo em seguida se assumiu como intelectual de esquerda. Para editar seus livros de poesias e ensaios e não ficar dependendo dos editores, fundou sua própria casa editorial, onde editava e vendia os livros, a Livraria Schmidt Editora, local que reunia a intelectualidade do Rio e granjeava inúmeras amizades para Augusto Frederico. Quando terminou de lançar todos os seus livros, passou a editorar o dos outros, sendo que o primeiro a aparecer no catálogo foi um jovem pernambucano chamado Gilberto Freyre, com um calhamaço intitulado “Casa Grande e Senzala”. Sucesso instantâneo de crítica e nem tanto de público, que não dava muita importância (como hoje) aos livros de sociologia. Entre os supermercados, livraria e editoras, ainda achou tempo para ser presidente do Botafogo. Mais tarde, se encantou com Juscelino Kubitschek e, através de amigos comuns, passou a integrar o Comitê de sua candidatura. Da cabeça de Augusto Frederico saiu o slogan que JK adorou e passou a repetir em todos os seus comícios: “50 anos em 5.” Integrou o governo JK em vários cargos: assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, embaixador do Brasil na ONU e na então Comunidade Econômica Europeia. Em 1964, manteve uma perna, a esquerda do intelectual, na canoa de Jango e a direita, do empresário, na canoa dos militares. Como faleceu no início de 1965, não foi amolado nem por um lado e nem pelo outro.

Schmidt, assim que leu os relatórios, teve a mesma desconfiança do Rogério Distéfano de então: atrás daqueles textos havia um extraordinário romancista. Moveu mundos e fundos para localizar Graciliano Ramos, que, na época, com 8 filhos para criar e encaminhar, havia se mudado para Maceió, onde ganhava o pão de cada dia como servidor da Imprensa Oficial e professor da rede pública. Localizado o endereço, telegrafou para Ramos e perguntou se tinha algum romance, eis que estava interessado em publicar. Graciliano, tomado de surpresa, e já sabendo do enorme sucesso de Gilberto Freyre, disse que tinha “Caetés” na gaveta e estava escrevendo outro, cujo título era “São Bernardo”. Augusto Frederico pediu, então, que encaminhasse os originais de “Caetés”, o que Graciliano imediatamente fez.

A intuição do Rogério Distéfano de antanho e de Augusto Frederico se transformaram em certeza e o livro entrou imediatamente em composição para ir ao prelo. Livro pronto, Augusto Frederico encaminhou o primeiro exemplar para Agrippino Grieco e ficou esperando. Só lançaria o livro depois da crítica do mesmo. No domingo, acordou cedo e abriu o “Jornal”, periódico em que Grieco publicava suas críticas. Nada de nadica. Não se importando com o horário, ligou para Agrippino, tirando satisfações. Grieco limitou-se a responder: “Quando recebi o livro, a minha coluna já estava pronta. Mas já comecei a ler e estou adorando. Aguarde domingo que vem”.

O domingo que vem chegou e Augusto acordou ainda mais cedo e pegou o jornal que estava na porta. Foi direto para a coluna de Agrippino Grieco e quando leu o título quase teve uma síncope. Grieco intitulou a coluna com a seguinte frase: “Caetés, do alagoano Graciliano Ramos, é uma droga”

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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