O “Monstro do Maracanã” e o “Pantera Negra” – I parte

A Copa dos Campeões da Europa (hoje, Champions League), na temporada de 1960-1961, prometia. Os jornais de toda a Espanha, se os sorteios permitissem, sonhavam com uma final entre Barcelona e Real Madrid. Infelizmente, as previsões foram frustradas. Após a primeira eliminatória, onde os dois gigantes espanhóis passaram fácil, as bolinhas saíram da cumbuca e apontaram Real Madrid x Barcelona; jogo de ida no Santiago Bernabéu e o da volta no Camp Nou.

No primeiro, Real Madrid e Barcelona empataram em dois a dois. Mateos, no minuto inicial do jogo, abriu o placar para os merengues. Luisito Suárez (o maior artilheiro da seleção espanhola) empatou para os catalães. Gento, quase no final do primeiro tempo, colocou o Real na frente. Aos 43 do segundo tempo, pênalti para o Barcelona, que Suárez converteu. 95.000 merengues ficaram preocupados e 5.000 catalães ficaram detidos no estádio por horas a fio. Quando Suárez empatou, abriram faixas desejando a morte de Franco e a Independência da Catalunha. A polícia baixou o cacete sem dó nem piedade. Mais de 1.000 torcedores do Barcelona ficaram feridos. Por sorte, nenhum morreu.

Na semana seguinte, as equipes voltaram a se enfrentar no Camp Nou. O Real Madrid estava com Kopa machucado e o brasileiro Canário foi o ponta direita. No Barcelona, o lesionado era Kocsis. Vergés entrou no lugar do húngaro. O Real Madrid atacou com Canário, Del Sol, Di Stéfano, Puskas e Gento. O Barcelona com Vergés (que do meio de campo foi deslocado para a ponta), Luisito Suárez, Evaristo Macedo, Kubala e Czibor. Vergés abriu o placar para Barça ainda no primeiro tempo. O Real passou o segundo tempo inteiro atacando e o Barcelona defendendo o placar. Num contra-ataque, aos 38 do segundo tempo, Kubala lança Evaristo, que passa pela zaga como um míssil e decreta os dois a zero. 100.000 catalães explodem e o Camp Nou se enche de faixas com “Morra Franco” e “Independência para a Catalunha”. Aos 44, Canário desconta, mas os 5.000 merengues não tiveram tempo para comemorar. Logo depois do gol, o árbitro encerrou a partida.

O Barça havia eliminado o pentacampeão Real Madrid. A polícia, reforçada por contingentes que vieram de toda a Espanha, atônita, não sabia como prender ou baixar o pau em 100.000 barcelonistas alucinados que berravam em catalão (o que era terminantemente proibido na ditadura de Franco, dava cana longa e pesada) “Franc fill de puta” e “Catalunya lliuere”. Telefonam para o Chefe da Polícia em Madrid, que pediu para aguardarem na linha enquanto, em outro telefone, tentaria falar com o ditador. Cinco minutos de espera e veio a ordem: “Deixem sair do Estádio e comemorarem nas ruas. Não batam em ninguém. Barcelona tem centenas de repórteres de toda a Europa cobrindo o jogo e as imagens e fotos certamente trarão um incômodo para o generalíssimo Franco”.

No mesmo dia, o Benfica de Béla Guttmann elimina o campeão húngaro Ujpesti Dozsa, mesmo perdendo o jogo por 2 x 1. Havia goleado o time da Hungria no Estádio da Luz por 6 a 2. Na fase seguinte, o Barcelona elimina o Spartak da Tchecoslováquia e o Benfica o AGF da Dinamarca. Depois, os “blau grená” passam pelo Rapid de Viena e os “encarnados” se classificam em cima do Hamburgo da Alemanha. Barcelona e Benfica se qualificam para a final que seria disputada no Estádio de Berna, na neutra Suíça, lá mesmo onde Puskas & Cia perderam a final contra a Alemanha. Seria a segunda batalha de Berna.

Para os leitores que não se ligam em futebol, mas estão lendo as presentes linhas, vou dizer o que muitos estão cansados de saber: Portugal tem três grandes clubes, extremamente rivalizados entre eles. Em Lisboa, o Sport Lisboa e Benfica (os Águias) e o Sporting Clube de Portugal (os Leões). O terceiro, mas não menos importante, é o Futebol Clube do Porto (os Dragões). Nos tempos das colônias africanas, cada um deles possuía uma filial em cada capital colonial.

Na então Lourenço Marques (depois da independência passou a ser denominada de Maputo), capital da Província Ultramarina de Moçambique, o ferroviário branco, mas nascido na África, precisamente em Angola, chamado Laurindo Ferreira, conheceu Anissabeni Elisa da Silva, negra moçambicana. Casaram e como o salário que Laurindo recebia era pouco, foram morar num barraco no famoso, pela pobreza, bairro de Mafalala. Tiveram muitos filhos e ao quarto deram o nome de Eusébio da Silva Ferreira. Quando Eusébio tinha 8 anos de idade, Laurindo morreu de tétano e Anissabeni foi à luta trabalhando como diarista das ricas famílias brancas portuguesas que viviam “à tripla forra” em Lourenço Marques. Acordava cedo, servia o café da manhã à filharada e os mandava para a escola para poder trabalhar tranquila e ganhar o pão nosso de cada dia com o suor do seu rosto. Os filhos, disciplinados, iam para o colégio, menos Eusébio, que fugia das aulas e passava o dia inteiro jogando futebol nas ruas esburacadas de Mafalala com bolas feitas de meias velhas. Torcia para o Benfica de Lisboa, cujos jogos escutava no rádio de um vizinho.

Aos 15 anos, fez um teste na filial do Benfica em Lourenço Marques. Foi plenamente aprovado pelo técnico, que lhe mandou ao exame médico. O facultativo o reprovou, alegando que era muito magro e os joelhos não aguentariam as partidas de futebol. Inconformado, procurou a filial do Sporting, onde foi aprovado pelo técnico e dessa vez também pelo médico. Nascido Águia virou Leão, mas seria por pouco tempo. Logo deixaria as divisões de base para se tornar o grande craque da “equipa” principal do Sporting de Lourenço Marques.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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