Morre de infarto o cartunista César Vilas Boas, o Pelicano, irmão de Glauco

O apelido surgiu nos anos 1970, na faculdade de engenharia civil, em Ribeirão Preto (SP), devido ao nariz avantajado. “Quando eu entrava na sala, o pessoal gritava: ‘Chegou o pelicano!'”, contava.

Ele dizia que, de início, ficava chateado com o bullying, mas, como o apelido pegou entre os colegas, passou a gostar e decidiu assinar os cartuns com o nome da ave. A partir dali, César Augusto Vilas Boas passaria a ser nacionalmente conhecido como Pelicano.

Irmão do cartunista Glauco, morto a tiros junto com o filho Raoni em março de 2010, Pelicano havia completado 70 anos no dia 6 de agosto. Morreu vítima de um infarto na tarde deste domingo (21). Segundo amigos, ele se tratava de uma pneumonia, chegou a ser socorrido e levado a uma UPA (unidade de pronto atendimento), mas não resistiu.

Natural de Jandaia do Sul, no Paraná, Pelica, como era chamado pelos amigos, inclusive esta repórter, dizia que tanto ele quanto Glauco foram estimulados a desenhar pela mãe, Maria Aparecida, a dona Cidu. Às vezes, copiavam os desenhos que a mãe fazia, outras vezes criavam suas próprias histórias e personagens.

“Éramos em cinco moleques e uma menina. Tínhamos em casa um quintalzão de barro e, quando chovia, minha mãe não deixava a gente sair de casa. Cada um tinha um caderninho e lápis de cor. Ela passava os desenhos e a gente copiava”, contava.

A paixão pela charge foi descoberta depois, quando ele e Glauco viram uma revista do cartunista Henfil (1944-1988). “A gente estava numa padaria, ria tanto folheando a revista. Ninguém entendia nada”, contou em uma entrevista.

O caçula Glauco foi o primeiro a fazer dos cartuns uma profissão, no extinto jornal Diário da Manhã, em Ribeirão Preto. Pelicano treinava os traços em casa. Um dia Glauco levou o caderno do irmão ao jornal e mostrou-o ao editor na época, o jornalista José Hamilton Ribeiro, que convidou então Pelicano também a trabalhar no matutino. Era 1978.

Glauco mudou-se para São Paulo e passou a publicar seus quadrinhos na Folha. Já Pelicano permaneceu em Ribeirão e publicou inúmeros trabalhos em jornais e revistas da cidade e do país, incluindo o Pasquim e a Folha. Foi premiado com o primeiro lugar cinco vezes no Salão de Humor de Piracicaba, do qual se tornou jurado de honra.

Foi também pelas mãos de Glauco que Pelicano conheceu em 1993 a seita do Santo Daime. Nela, um chá de folha de chacrona e cipó de mariri é consumido durante os rituais pelos fiéis em busca do “eu superior”. Pelica era o grande mestre da Igreja Rainha do Céu, fundada por ele há 30 anos, no quintal de sua chácara, no Residencial Parque Cândido Portinari, na zona leste de Ribeirão Preto.

Em entrevista à Folha, em maio de 2010, ao ser provocado a dizer qual político ele gostaria de ver tomar o chá, o cartunista respondeu: “O Lula seria legal. Se ele tomasse o Daime, convocaria a Marina Silva para ser a presidente e dispensaria a Dilma Rousseff”. Eleita presidente, Dilma exerceu o cargo de 2011 até seu afastamento por um processo de impeachment em 2016.

Pelicano classificava o chá como “expansor de mente que abre a mediunidade e faz a pessoa entrar em contato com entidades espirituais”. Era no Daime que ele dizia buscar conforto para a morte de Glauco. “Penso nele toda vez que pego no lápis pra desenhar. Todo dia”, declarou em entrevista ao site “O Folha de Minas”, em 2020.

O cartunista deixa a mulher, Jaci, filhas e netos, além de um acervo pessoal de mais de 14 mil obras, tudo feito com papel e lápis. Deixa também uma legião de amigos e de fãs. E muita saudade.

O velório ocorre na igreja Rainha do Céu e o enterro será nesta segunda (22), no cemitério Bom Pastor, em Ribeirão Preto.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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