Poeta menina – 2006

Dose tripla nesta quinta-feira, 12. Além do feriado em homenagem à padroeira do Brasil, é o Dia da Criança e, ao menos para este vosso escriba, bem mais que isso. 12 de outubro é o aniversário de alguém que só poderia ter nascido numa data dedicada ao que em nós foi, um dia, inocência e encantamento: o aniversário da poeta Helena Kolody (1912-2004).

Tecelã de filigranas e delicadezas, a existir hoje no azul que daqui se vê – e se escuta -, viva estivesse (e quem garante tenha morrido?), Helena estaria completando 94 anos! De família de ucranianos longevos, não seria difícil nem impossível que a poeta pudesse estar entre nós (e quem garante não esteja?), com seu riso de dentes largos e a graça sensível que nela era mais, bem mais que uma virtude.

Kolody e crianças sempre se misturaram. Além de toda uma vida dedicada à educação de nossos infantes, foi, à maneira de Quintana, uma poeta de essências encantatórias e do desconcerto que há de morar sempre nestes muitas vezes endiabrados filhotes da espécie. Helena, aliás, nunca perdeu a infância de vista. Lamentável não haver até agora em Curitiba nenhuma rua com seu nome.

Quem, senão uma poeta disposta a apostar na magia, escreveria estes versos quase infantis, não morasse neles um cantante Miró (outra eterna criança em traço e cor…): “No poema/e nas nuvens,/cada qual descobre/o que deseja ver.” ? Não muito diferente de um outro poema, este do filho de um amigo meu, o Rafinha, 9 anos, me perguntando na praia, excitado diante do mar: “Tio, se o mar começa aqui/ onde é que ele termina?”

Perguntas-poemas, sem dúvida, nascidas de um lugar ignoto da alma onde, desde muito cedo, vigora o mistério de uma sabedoria essencial que parece preceder o ser humano, este ente o mais das vezes inviável. A exemplo da interrogação, lançada ao acaso, pelo menininho, a acolher na concha da mão o passarinho que acabou de morrer: “Pai, se o passarinho saiu dele agorinha mesmo, ele vai demorar pra voltar?”

Ou aquele outro, esbaforido, a entrar correndo dentro de casa, subindo numa cadeira e colocando os ponteiros do relógio de parede que marcavam 3 horas, um em cima do outro no exato meio-dia: “Vó, tô mudando as horas que é pra mim poder brincar na rua a tarde inteira, tá bom?”

Não muito diferente da poesia-menina de Helena Kolody, livre de pretensa inteligência “adulta”, limada de todos os excessos, puríssimo artefato poético-existencial: “Pintou estrelas no muro/e teve o céu/ao alcance das mãos.” Simples? Como uma noiva voando numa aquarela de Chagall…

Ou o piazinho que acabou de completar cinco anos, e exibe para o jovem avô todos os dedinhos de uma das mãos: “Ói, vô, tá vendo? Eu já sou esta mão aqui inteirinha!” Ante o frouxo de riso do avô, uma pergunta irrespondível: “Do que é que você tá rindo, vô? Mão é palhaço, é?…”

Coisas. Bilhetes da vida nas asas de clandestina felicidade nascida de um saber sem culpa, palavras lavadas pela passagem das horas, palavras-estrelas, última lua da madrugada: “Hoje é o chão da existência!” Noventa e quatro anos? Nada, do azul que daqui se vê, Helena é apenas uma menina, andando descalça o chão de folhas dos bosques da eternidade. Escutas?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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