Pudim

‘Vem, pancinha, vem’, ele sussurra no meu ouvido

Encaro a fatia de pudim lambuzada de caramelo e, arrepiada de desejo como não fico desde os 19 anos, me pergunto por que mesmo deveria me negar a esse júbilo. 

Quero caber nos vestidos de outrora e andar saltitante pelas ruas! Mentira. Eu nunca gostei de vestidos e jamais andei pelas ruas feito uma coelha louca e, caso eu quisesse sair agora dando pulinhos bestas pelo bairro, jamais deixaria de fazê-lo por motivos de adiposidade descontrolada.

Quero meter uma miniblusa atrevida e irritar os transeuntes com a cintura PP de outrora! Mentira. Nos tempos da cintura PP, eu não conseguia comer por causa da ansiedade e morria de inveja de quem mandava sete pedaços de pizza em um primeiro encontro.

Agora que todos os meus dias são IGUAIS e a palavra “emoção” foi violentamente substituída por “família” (e isso me deixa mais feliz, apesar de a felicidade ser um saco), ficou bem difícil qualquer situação fazer meu coração bater mais forte do que faz esse pudim.

Ah, pudim, por que mesmo ainda não te devorei? Para realizar uma entrada triunfal na piscina do clube e mostrar para as pessoas que… O quê? Que pessoas? A verdade é que não estou nem aí para as pessoas do clube nem para “as pessoas” de modo geral.

O pudim pisca para mim, o pudim lambe os beiços, o pudim me diz que aquele será como o primeiro abraço quente após o trauma do nascimento. Não posso, preciso emagrecer. Mas para que mesmo?

Para realizar uma entrada triunfal no quarto, em uma lingerie de renda branca, e provar para meu marido que… O quê? Que renda branca? Eu só tenho calcinha preta GG sem costura. Que marido? Esse capotado no sofá dormindo de boca aberta? Oito da noite eu tomo pregabalina para dor crônica e, quando dá nove horas, o meu maior orgasmo é enfiar um travesseiro no meio das pernas e dormir pensando que não gostaria de morrer, mas gostaria de descansar eternamente.

O pudim faz a dança do acasalamento para mim. Move-se muito delicadamente para a direita e para a esquerda. “Vem, pancinha, vem”, ele sussurra no meu ouvido. Mas não posso. Preciso perder peso porque estou insatisfeita com este corpo.

Espera! Antes, quando eu não tinha esse bucho indolente, eu já estava insatisfeita com este corpo. Talvez o corpo não tenha nada a ver com isso.

Quero emagrecer para ganhar parabéns do nutricionista. Ele pinçou a pele dependurada do meu braço e fez uma cara de nojo. Eu preciso que ele me veja e… O quê? Eu caguei para o nutricionista.

Ele que use os dedos para pinçar o próprio pênis e que na hora passe um vento e ele fique para sempre com a mesma cara de horror.

Ah, Tati, mas e os problemas de saúde? Sabia que flutuar numa piscina de pudim deitada numa boia de gordura é uma das maiores causas de morte por parada cardíaca? Oi? Cinco quilos acima do peso não são 50.

É uma merda ter ido das calças modelo “por que eu entro em um lugar e todo mundo me olha com intensidade?” tamanho 36 para as calças estilo “mamãe descolada só usa coisa largona e tem uma fome bizarra por carboidratos, mas todo mundo me adora” tamanho 42 em tão pouco tempo (dez anos é pouco tempo?)? Sim.

Porém o mundo está cheio de problemas piores, confere? Aff! No dia em que uma concentração escrota de banha for considerada grave no contexto “Brasil de 2019”, você me avisa que eu paro a vida para fazer dieta. Mas… hmmmm… antes disso… hmm… o danado ainda tem leite condensado!

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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