Quando a encenação vem do Alvorada

Que Deus, na sua generosa bondade, me perdoe pelo mau juízo, mas tenho grandes dúvidas quanto à recente mazela intestinal sofrida pelo preclaro capitão Jair Messias Bolsonaro, mui digno presidente da República do Brasil, e que o levou a um rápido internamento no Hospital das Forças Armadas, de Brasília, e uma breve temporada na estrelada casa de saúde Copa D’Or, de São Paulo, tudo por conta do erário, assim como tive quando do até hoje não suficientemente esclarecido incidente de Juiz de Fora.

Curioso é que isso tenha acontecido exatamente quando a popularidade de s. exª., segundo pesquisas de opinião pública, chega ao rés do chão e a CPI da Covid começa a fechar o cerco em torno não só da conduta presidencial criminosa, mas também da corrupção que enlameia o Ministério da Saúde bolsonaliano durante a pandemia.

A vitimização é um dos recursos costumeiros de Bolsonaro. Ela já lhe rendeu uma eleição. E ele, quando não está verbalizando impropérios contra a imprensa e os opositores, nem liderando irresponsáveis motorratas pelo país, adora posar de vítima, de criatura sofredora e incompreendida, capaz de oferecer a vida pelo bem-estar da população.

Encenação anterior aconteceu em julho de 2020, quando o Messias do cerrado “testou positivamente” para a Covid-19 e foi milagrosamente salvo, 19 horas depois, pela cloroquina e por doses de hidroxicloroquina, “ministradas pelo seu médico”. O inusitado é que os ditos medicamentos, rechaçados desde sempre por toda a medicina, hoje são oficialmente reconhecidos como ineficazes para o tratamento do coronavírus pelo próprio Ministério da Saúde…

A pandemia já consumiu a vida de mais de 545 mil brasileiros, o programa de aquisição de vacinas e de vacinação é uma tragédia grega, os hospitais continuam lotados, o vírus se multiplica e se potencializa, a carência de medicamentos é enorme, garimpeiros e grileiros invadem as terras indígenas, a Amazônia e a Mata Atlântica prosseguem sendo dizimadas, o povo passa fome, a inflação avança, o desemprego galopa, milicianos ditam ordens e regras no país, os tributos extorquem a classe média, novos impostos são maquinados pelo dissimulado “posto Ipiranga”, no Congresso Nacional a festa continua… E o capitão presidente acha que a vítima é ele.

No catecismo de Bolsonaro a vitimização rende adeptos e votos. Ainda que para isso seja necessário baixar ao hospital e deixar-se fotografar de abdômen descoberto, de forma absurda e quase obscena. Aliás, foi o único hospitalizado com registro fotográfico par a passo, de todos os ângulos e posições, para satisfação da vassalagem. Surpreende que terapeutas e clínicas de conceito se prestem a esse triste papel.

Não sei se o presidente esteve realmente enfermo ou se tudo não passou de providencial representação. No entanto, se me perguntarem se torço pela sua recuperação, valho-me, com toda sinceridade, da resposta dada pelo jornalista Hélio Schwartsman, da FSP: “… se Deus, em sua imensa sabedoria, quiser levar o presidente para junto de Si, eu não ficarei nem um pouco chateado”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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