A ansiedade dorme em banho-maria

Mas basta um acontecimento mal resolvido para ela acordar

Caro leitor, imagino que, ao abrir o jornal nesta quarta (23) ou clicar no link que leva ao espaço que a Folha gentilmente me cede desde 2014, você esperasse ler sobre o inferno astral das Forças Armadas. Ou ainda sobre como o presidente Lula tem sido condescendente com o golpismo dos militares, ao recebê-los em pleno sábado na Alvorada para tratar de mais dinheiro para os batalhões.

Tudo isso também me interessa muito, mas ao ver a manchete sobre a pesquisa “Mulheres e jovens têm mais ansiedade que média da população”, infelizmente me reconheci na estatística. Segundo o Datafolha, um terço dos brasileiros relata ansiedade, problema de sono e de alimentação. Se fosse uma cartela de bingo, eu poderia gritar com a pontuação máxima, em mãos.

Apesar de o estigma ter diminuído, muito graças às redes sociais pelo compartilhamento de casos, de depoimentos, de gente famosa que saiu do armário das doenças mentais, a maioria ainda entende pouco sobre o que passa com alguém numa crise de ansiedade. Mesmo entre aqueles muito próximos é comum ouvir, “mas, assim, do nada?”

Sim, o episódio de pânico –é esse o sentimento quando a onda da ansiedade cresce como um tsunami, chega, assim, “do nada”. É impossível prever porque e quando ele se manifestará. Mas o que remexe as profundezas do indivíduo que sofre dessa doença mental não surge do “nada”. A minha experiência, veja, a minha experiência, mostra que por mais que se use todos os recursos, inclusive informação, a ansiedade dorme dentro de nós em banho-maria.

Mas basta um acontecimento mal resolvido –ou uma sequência deles— para que o mecanismo da panela de pressão seja acionado. O organismo começa a cozinhar sentimentos ignorados, mal digeridos. A consequência não é imediata, pode levar dias. Por isso, quase sempre é uma surpresa quando o apito indica o ponto de fervura, que nos desperta a sensação de morte.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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