Quem imita se trumbica

O TARADO da CEF nem chegou a fechar a braguilha e pipocam seus horrores como presidente do banco estatal. Pedro Guimarães xingava funcionários, que rebaixava ou promovia nos cargos para exibir poder e criar dependência à sua vontade; arrogava-se poderoso – “quem manda aqui sou eu”; exigia de funcionários esforços incompatíveis com a função, como descer vinte andares de escada na sede da empresa ou fazer flexões de braços; sabe-se agora que ele aplicava pimenta na comida de funcionários em eventos internos, a prática dos jogos das corporações dos EUA, que já deram filmes e nos filmes as tragédias correspondentes. Além da crônica do assédio moral, a do assédio sexual ainda não está de todo exposta: ele tocava as intimidades das funcionárias, descrevia e sugeria seus apetites com elas, acenava promoções caso atendessem sua concupiscência. O ex-presidente da CEF não inovou nem inventou; uma das formas de o poder exercer sua falta de controle é exato a prepotência e o abuso sexuais.

Portanto, de Pedro Guimarães não interessa mais o como, interessa o por quê – e aqui o que leva um homem em posição tão visível a exibir o lado doentio de sua personalidade. Não interessa o como pois tais abusos são comuns, recorrentes em situações de poder, pouco importa seja na empresa gigantesca, seja na empresa individual. O poder, quando explora a necessidade e a dependência da vítima, libera-se para tudo, inclusive para a tara. Todos os dias há exemplos disso; é coisa humana. Interessa o por quê e este é explicável pelo fenômeno da emulação, o mecanismo psicológico que leva a pessoa a imitar o modelo que admira ou a desafiar este modelo. Pedro Guimarães é um caso de emulação por admiração. E seu modelo tem nome: chama-se Jair Bolsonaro. Não que Bolsonaro use o poder para assaltar as mulheres pela sanha sexual. Não faz seu perfil nem é seu modus operandi. Nada disso. Bolsonaro supre a contingência sexual pelo casamento, já três no currículo – nesse item um homem exemplar.

Acontece que Bolsonaro desperta emulação em seus auxiliares, que podem não imitá-lo no assédio sexual mas o imitam no exercício da prepotência incontrolável do poder e pelo desdém à condutarepublicana. O presidente ofende gratuita, olímpica e diariamente a quem quer que o desagrade, que estabeleça empeço institucional à sua vocação autoritária. Como os políticos autoritários cercam-se de homens fracos, serviçais sem princípios, estes se sustentam na obediência cega e na imitação desabusada. Não vale a pena voltar à cansativa narrativa das aberrações de comportamento do caráter e na personalidade do presidente. Vale, sim, resgatar os personagens que o emulam no assédio – sobretudo o moral – e levam suas áreas de gestão ao descalabro. Os nomes e os homens estão aí – ou se foram: Abraham Weintraub, Fábio Wajngarten, Ernesto Araújo, Mário Frias, Sérgio Camargo, Eduardo Pazuello, Ônix Lorenzoni.

A lista poderia ser engrossada por um ou outro general, como o anterior e o atual ministros da Defesa, os generais ministros do Planalto. Mas não sejamos injustos com eles nem com a emulação. Eles cometem outro tipo de assédio, o institucional, de peitar o Judiciário, as urnas, os eleitores. Mas seu assédio não é para imitar o presidente, é para servi-lo em casos específicos, na estrita conformação da superioridade hierárquica da caserna, que sobrepõe a obediência ao chefe à obediência às constituições – que no tempo histórico perderam sua vitalidade, tanto e tantas vezes foram alteradas por eles para manter sua tutela sobre o Brasil. Por isso não se pode comparar o assédio moral e sexual dos auxiliares civis de Bolsonaro com o assédio político de seus generais. Do assédio dos tarados bolsonaristas os generais estão limpos. Apenas dão apoio e sustentam o presidente que trouxe o assédio ao poder, o presidente que criou os assediadores seriais.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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