Quem matou Moïse?

Levou uma semana para que viesse a público a história do assassinato do congolês

Levou uma semana para que viesse a público a história do assassinato do congolês Moïse Mugenyi Kabamgabe. Em que tipo de buraco incivilizado uma pessoa é amarrada, espancada, morta e abandonada na areia sem que isso se transforme imediatamente num escândalo? Sem que haja revolta e que a vida pare? No Brasil. No Rio de Janeiro.

A novidade é que Moïse não estava num matagal da periferia, onde se mata e se morre todos os dias. A violência a qual foi submetido aconteceu na Barra da Tijuca e revela daqueles absurdos cotidianos que reafirmam a vocação macabra que o Estado abraçou nas últimas décadas, de paraíso do crime.

Quem mora no CEP “errado” enfrenta uma rotina de insegurança e barbárie que se alastrou como fogo na palha por todo Rio de Janeiro. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que 24 de 30 cidades com mais de 100 mil habitantes no estado têm índices de violência superiores à média brasileira.

A capital ainda não está nessa lista, mas o reflexo da selvageria se vê nas areias do cartão postal. Há cada vez mais notícias de tentativas de linchamento nas praias da Zona Sul. Gente que desacredita as instituições e prega que a “lei da selva” impere. Gente que enxerga algum tipo de justiça cada vez que um preto pobre é executado. Com o Rio entregue às milícias, a morte é menos importante do que a previsão do sol. Vida que segue.

É claro que nenhum crime é mais grave do que outro, assim como nenhuma vida tem mais valor do que outra. Mas algumas mortes viram símbolos de nossa falência como sociedade. Não é concebível que num estado pretensamente democrático um homem seja morto porque foi cobrar um pagamento atrasado. Tanto faz se na Baixada, na Barra da Tijuca ou na Zona Sul. Não é admissível que a morte da vereadora de uma capital continue sem solução depois de quase quatro anos.

A pergunta que se junta a tantas outras agora é: quem matou Moïse?

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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