Carta para Raquel (1) – segunda parte

Eis a versão em português do agradecimento que fiz na homenagem que minha querida esposa Raquel Dias da Silveira Motta recebeu durante o Congresso da Associação Ítalo-Brasileira de Professores de Direito Administrativo e Constitucional, realizado em Palermo, na Itália:

Bom dia a todos

Compareço na linda e amada cidade de Palermo com o coração repleto de felicidade e emoção pela homenagem que minha amada esposa Raquel Dias da Silveira Motta está recebendo neste inesquecível dia de hoje.

Raquel amava a cidade de Palermo e sua universidade, onde esteve alguns anos na qualidade de professora convidada e congressista. Tinha muito orgulho de ter ministrado aulas na “Alma Mater” de Vittorio Emanuele Orlando, Santi Romano e tantos outros grandes jurisconsultos que até o momento engradecem este maravilhoso país, bem como dos amigos que fez, tanto os que vivem e ensinam em Palermo, como de outras diversas cidades da Itália, país pela qual tinha especial predileção e amor, eis que estamos na terra em que, sem qualquer sombra de dúvida, desde o Império Romano até os dias de hoje, mais contribuiu para o desenvolvimento do direito em todos os seus ramos.

Quando viveu em Brasília, Raquel e um grupo de amigas, se reuniam uma noite por semana, cada vez na casa de uma, para lerem os poemas do grande poeta brasileiro, nascido em Minas Gerais como Raquel, chamado Carlos Drummond de Andrade. Estávamos, na época namorando, e eu lhe dei de presente um livro de um outro grande poeta brasileiro, Mário Quintana, nascido no Rio Grande do Sul, minha terra natal.

Raquel era uma pessoa muito impulsiva, quando dava aulas, quando trabalhava, quando lia e estudava. Quando tinha uma ideia não havia no mundo pessoa capaz de fazê-la mudar. Quando Bruno, nosso amado filho chegou, e ele é o maior tesouro que ela me deixou, passou a ser ainda mais impulsiva, amando-o, como continua a amar no Céu, com uma intensidade nunca vista e de modo absolutamente incondicional.

Como disse, dentro da impulsividade, eu às vezes citava um poema de Carlos Drummond de Andrade, onde numa estrofe ele disse: “no meio do caminho tem uma pedra”. Raquel respondia com um poema de Mário Quintana: “Tudo isso que aí está, atravancando meu caminho, eles passarão, eu passarinho!”

Raquel, desde o ano de 2015, teve quatro cânceres. Nos três primeiros lutou pela vida com uma força descomunal, jamais perdendo o sorriso e a alegria de viver, o amor a Deus, o amor ao filho, o amor ao marido e a todas as pessoas que amava.

Em outubro de 2021 foi diagnosticada com leucemia. Não perdeu a garra e a vontade de viver. Agradeceu a Deus toda a vida que tinha tido e disse a si mesmo e aos outros, que lutaria até o último segundo de vida. Nunca se queixou, nunca se lamentou, só dizia que Deus, juntamente com Jesus Cristo, o Espírito Santo e Nossa Senhora, sabia o que fazia e o que era melhor para ela. No dia 31 de março de 2022, pouco depois do meio-dia, foi ao encontro dos seus antepassados, onde espera a ressurreição que a todos nós há de vir. Afinal, a vida é uma viagem onde sabemos o local de partida, mas ignoramos o dia e o local da chegada. Viveu 44 anos incompletos, eis que comemoraria os seus 45 anos no dia 24 de abril de 2022. Mas com a Raquel o calendário gregoriano não funcionava. Impulsiva como era, vivia em um ano mais de dez. Depois da chegada do Bruno, vivia cada ano como se fossem cem. De modo que, com o perdão do bom Papa Gregório, Raquel viveu mais de 900 anos, disso tenho certeza.

Meus queridos amigos, Raquel me ensinou que temos que ter esperança, de que o mundo ainda pode mudar para melhor. Peço, em sua memória, que façam como ela, levantem e vão por ele lutar, como peço a Deus todas as noites para ter a força que a Raquel tinha.

De outubro de 2021 a 31 de março de 2022, Raquel teve mais de vinte hospitalizações para sessões de quimioterapia e transfusões de sangue. Nos seus três primeiros cânceres, seu cabelo caiu. No quarto, e derradeiro, sem que os médicos soubessem explicar, seu cabelo lindo, comprido e castanho escuro, assim com a cor dos seus olhos, não caiu. Hoje, sei que São Pedro a queria receber integral, linda, com seus cabelos compridos, seus olhos vivos e seu sorriso que a todos encantava.

O poeta já citado Mário Quintana disse uma vez que gostava dos dias de chuva pois podia sair na rua sem que as pessoas enxergassem suas lágrimas. Quando chove, aproveito e saio para rua e fico andando a esmo.

Minhas lágrimas não são mais de dor, mas sim de amor. Muito obrigado do fundo do meu coração. Fiquem todos com Deus.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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