Rebelião do grupo Wagner mostra que Putin não é tão homem-forte

Revoltas armadas são tóxicas para líderes autocratas como o russo

Não é por ser um esteta da toxicologia que Vladimir Putin manda envenenar rivais, mas por ser o que a ciência política chama de “strongman”, homem-forte. Há várias definições, mas, se é lícito extrair um amálgama delas, podemos dizer que o “strongman” é um dirigente autoritário que governa com o apoio de elites civis e militares e, a fim de manter o poder, frequentemente recorre à violência ou à ameaça de usá-la. Para tornar as ameaças mais críveis, homens-fortes costumam cultivar a reputação de líderes implacáveis, do tipo “macho man”, que não devem ser desafiados.

Nesse contexto, o motim encabeçado por Ievguêni Prigojin, comandante das forças mercenárias Wagner, se torna tóxico para o autocrata russo. Putin não só teve sua autoridade contestada como também se viu obrigado a retroceder, incorrendo em revés reputacional. Logo de cara Prigojin escancarou aquilo que Putin trabalhava para esconder da opinião pública: que a guerra na Ucrânia foi deflagrada sob falso pretexto, que Kiev e a Otan não atacariam a Rússia. A reação inicial de Putin à rebelião foi aparecer em público ameaçando seus líderes com o rigor da lei. Mas, em vez de cumprir a ameaça, negociou com Prigojin, concedendo-lhe exílio e anistiando os paramilitares revoltosos.

E não é só. Se é verdade que os militares russos não aderiram ao motim, também é verdade que não se empenharam em contê-lo. Prigojin tomou Rostov sem disparar um tiro e despachou um comboio que chegou a 200 km de Moscou. Para seguir o roteiro dos homens-fortes, Putin deveria agora promover um amplo expurgo em suas Forças Armadas, mas é complicado fazê-lo em meio à guerra. O moral dos soldados russos já não é dos mais elevados e não é certo se os mercenários do Wagner voltarão a seus postos ou se lutarão com o mesmo empenho.

A ameaça ao poder de Putin parece contida, mas ele mostrou-se mais frágil do que o recomendável para um “strongman”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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