Roça Barroca

1-Rugendas|Desmatamento|1835. Ao fundo, foto de Guillermo Sequera|Arte: Gui Zamoner|2-Josely Vianna Baptista, foto de Nego Miranda

A Floresta e o Pêndulo

 A tradução poética é um pêndulo instável. De um lado, há a precisão semântica; de outro, a necessidade formal. A melhor tradução fica instavelmente no meio (ela que nunca é um lugar definido). Não se trata, absolutamente, do meio termo, mas ao contrário, da mais radical refiguração do original em outra língua. Original que não é feito nem de seu âmbito semântico nem de suas relações formais, mas sim de suas interações e mobilizações formais & semânticas, ou morfossemânticas. A posição central do pêndulo é, não por acaso, a vertical, que aponta para a maior profundidade possível.

O que parece particularmente apropriado ao mito cosmogônico dos Mbyá-guarani aqui traduzido para o português, pois se trata de uma estranha e estranhamente bela narrativa poética sintética sobre personagens de sabor arquetípico, que evocam tanto o tempo profundo do mito quanto a profundidade sensível da floresta brasileira.

Ao mesmo tempo, a arte é, no limite, certa autonomização da estética inexistente em outras culturas que não a ocidental moderna. Etnopoesia é mito em linguagem poética: portanto, mito antes de poesia. A dimensão estética e a linguagem poética estão a serviço de outra coisa, são um meio, não um objeto em si. A ironia é que, do mesmo modo e pelo mesmo motivo pelos quais a etnopoesia não é de fato poesia, um ocidental moderno não pode ler nela senão poesia. Perde-se o mito, ganha-se a arte. Aqui, duplamente: pois se não os mitos em si, sua ambiência é reevocada, revisitada e reencenada na segunda seção do livro, nos belos poemas originais de “Roça barroca”, que fundem o mais arcaico ao mais moderno num gesto, então, essencialmente moderno.

Luis Dolhnikoff

Título: Roça barroca. Autor: Josely Vianna Baptista. Editora: Cosac Naify. Apresentação: Augusto Roa Bastos. Foto da capa: Miguel Rio Branco. Apoio: Petrobras Cultural

Nota sobre a autora de Roça Barroca

 Josely Vianna Baptista (Curitiba, 1957)  é autora de  Ar (Iluminuras, 1991), Corpografia (Iluminuras, 1992; com arte visual de Francisco Faria), Outro (Mirabilia, 2001, em colaboração com Maria Angela Biscaia e Arnaldo Antunes), A Concha das Mil Coisas Maravilhosas do Velho Caramujo (Mirabilia, 2001; ilustrado por Guilherme Zamoner; ganhador do VI Prémio Internacional del Libro Ilustrado Infantil y Juvenil do Governo do México em 2002), Musa paradisiaca: antologia da página de cultura 1995/2000 (em colaboração com. F. Faria; Mirabilia, 2004) e Sol sobre nuvens (Perspectiva, 2002; apresentação de Augusto de Campos [Signos 43]), entre outros.   

Uma coletânea de seus poemas, On the shining screen of the eyelids, foi premiada em 2001 pelo  CreativeWorks Fund, de San Francisco, EUA, e publicada em 2003 por Manifest Press, em tradução de Chris Daniels. Em 2002, a Editorial Aldus lançou no México Los poros floridos (edição bilíngüe, com arte de F. Faria e tradução de Reynaldo Jiménez e Roberto Echavarren). Em 2006, Florid pores foi publicado na íntegra em 1913: a journal of forms (San Francisco, 1913 Press; tradução de Chris Daniels e Regina Alfarano). Participou de antologias publicadas no México, Peru, Argentina, Estados Unidos, Cuba, França, Paraguai, Colômbia, Equador, Espanha, Austrália e Bélgica. As mais recentes são The Oxford Book of Latin American Poetry, que cobre  500 anos da poesia do continente, indo de escritos maias anônimos do século XVII aos dias atuais, e na qual é a única representante brasileira de sua geração (Nova York, Oxford University Press. Org. Livon-Grosman e Cecilia Vicuña, 2009), e a antologia de poesia brasileira organizada por Flora Süssekind para o Festival Europalia, na Bélgica (2011).

Vem realizando um trabalho constante de tradução e divulgação de importantes escritores hispano-americanos, tendo integrado o corpo de tradutores das Obras completas de Jorge Luis Borges (Globo), recebendo o Prêmio Jabuti de Tradução de 1999. Com apoio do Consejo Nacional para la Cultura y las Artes do  Governo do México, traduziu e editou o livro Rastros de luz,  de Coral Bracho (Mirabilia/Olavobras, 2004).

 Vem participando, como poeta convidada, de diversas exposições do artista plástico Francisco Faria no Brasil e no exterior. As mostras mais recentes foram “Significado da paisagem das Américas” (Curitiba, Museu Oscar Niemeyer/São Paulo, Instituto Tomie Ohtake, 2005), da qual participou também o poeta Luis Dolhnikoff, e Francisco Faria – Desenhos (Rio de Janeiro, Largo das Artes, 2009).

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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