Nem turista, nem aprendiz

Há 110 anos, Roquette-Pinto foi à Amazônia como cientista

Não é uma data a justificar oba-obas oficiais. É muito mais. No dia 22 de julho próximo, serão 110 anos da viagem do cientista Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) à Amazônia, a convite do general Candido Rondon, em mais uma expedição para desbravar a região, contatar tribos e demarcar fronteiras. Em cada viagem, Rondon levava um perito para cada disciplina. Ao chamar Roquette-Pinto, levou um homem-equipe.

Naquela expedição, Roquette foi cartógrafo, etnógrafo, sociólogo, geógrafo, arqueólogo, botânico, zoólogo, médico, farmacêutico, legista, linguista, desenhista, fotógrafo, sonoplasta e folclorista. Registrou toda a aparência da região: folha, árvore, floresta, composição dos solos, contorno dos rios, variedade da fauna.

Nas visitas às tribos já contatadas, mediu o crânio de seus membros, comparou pesos e alturas, analisou suas endemias e descreveu seus conhecimentos, formas de produção, comércio e transporte, relações familiares, língua, hábitos religiosos e coreografias. Anotou musicalmente seus cantos e gravou-os em cilindros de cera. Roquette realizou até a primeira autópsia de um indígena –por acaso, uma mulher.

A morte estava sempre ao lado: dias e dias de caminhada sem sol visível, à mercê de calor, animais, flechas, armadilhas, varíola, beribéri, malária. De volta ao Rio em dezembro, doou ao Museu Nacional uma tonelada e meia de objetos, que transportara em carro de boi pela selva. As anotações musicais foram entregues ao jovem Villa-Lobos para serem harmonizadas.

Em 1916, Roquette condensou tudo em sua obra-prima, “Rondônia”, um tratado multidisciplinar sobre aquele Brasil recém-revelado e um libelo contra a tese, então corrente, de que nossas mazelas se deviam à composição étnica.

Roquette-Pinto não foi à Amazônia em trem de luxo, com lençóis levados de casa e em companhia de grã-finas. Não foi como turista, muito menos aprendiz.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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