Sabático no casamento

Para o meu relacionamento dar certo eu faço planos de ter tempo comigo

Dormir em quartos separados, morar cada um em sua casa, abrir a relação, incorporar uma marmita de casal. O que não falta são opções para um relacionamento funcionar. Li sobre pessoas que decidiram levar para o ambiente doméstico uma prática disseminada no corporativo, o sabático. Sem perder a convivência ou o vínculo afetivo, é uma pausa do outro por tempo determinado.

Há anos, tomo meu sabático em pílulas. Meu marido viaja daqui a algumas horas. Sei que depois de uns dias terei saudade, a geladeira estará vazia, sobreviverei graças ao advento do delivery, mas neste momento eu já planejo mentalmente meus dias de férias de nós dois. De não ter que conjugar o pronome nós, de não pensar se ele quer isso ou aquilo. É tudo eu, é tudo pra mim, é tudo sobre mim. E se eu ainda amo meu conge, e lá se vão quase 11 anos, e se ainda adoro fazer tudo com ele quando estamos juntos, é porque tenho muitos momentos com a pessoa que me faz a criatura mais feliz de Copacabana: eu mesma.

Não faz tanto tempo que descobri que eu era a minha melhor companhia. E só consegui isso ao encarar o medo de ficar comigo mesma, ouvir no silêncio os traumas que me atormentavam e enfrentar o desconforto de ser quem eu sou, sem poder me esconder em abraços que não são meus. Tive que acolher os meus defeitos e minhas falhas e aprender a carregar o fardo de todas as escolhas que fiz, de um jeito que ele se acomodou e ficou mais leve. Às vezes, ainda me inquietam e, nessas horas, é quando eu mais preciso ficar só.

Fico sozinha também para reencontrar a mulher que eu aprendi a gostar tanto de ser e que às vezes se perde nas preferências divididas de uma vida a dois. Preciso do meu espaço, dos meus momentos, da minha entrega aos meus desejos, para poder transbordar nessa relação que me salvou de viver à base de Miojo e cerveja, que mantém a geladeira abastecida, a cama quentinha, meu coração tranquilo e que me arranca as minhas melhores risadas. Ele respeita meu tempo comigo mesma, que pode ser uma caminhada na praia, um almoço no meio da semana, uma viagem de dez dias. Eu fico só para ficar ainda melhor a dois.

E lá se vai meu conge, enquanto renovo meus votos comigo mesma. Quero cheirar meus livros, deitar atravessada na cama, acordar sem pressa, almoçar sozinha, abrir uma garrafa de vinho só para mim. Quero pedir um único sabor de pizza, maratonar uma série que ele jamais assistiria, para depois admitir que era ruim, mas que gostei mesmo assim. Encontro amigos que são só meus e pra quem ele não tem paciência, passo mais tempo na academia, perco horas numa farmácia, ouço meu Djavan, arrumos meus armários, vejo fotos antigas.

Tem gente que faz ménage, faz mais um filho, faz concessões. Para o meu relacionamento dar certo eu faço planos de ter tempo comigo. Quero cometer mais erros, me perder sozinha em ruas desconhecidas, ligar para ele do meio de uma plantação de girassóis e dizer que senti sua falta. Quero continuar com essa saudade de nós quando sou apenas eu.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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