A neo-monarquia

Perguntaram a Fernando Henrique Cardoso o que ele mais estranhou quando voltou a ser um político comum após dois mandatos na Presidência. Ele respondeu: “Tocar em maçanetas. Durante os oito anos em que fui presidente, não toquei em nenhuma, sempre que eu me dirigia a uma porta alguém corria e abria para mim.”  O Brasil despiu o manto da monarquia e envergou o terno da República, mas a “liturgia do cargo” permaneceu exatamente a mesma, para citar a expressão criada por José Sarney, que entende como ninguém de salamaleques e rapapés. O Rei se estilhaçou em milhares de reizinhos federais, estaduais e municipais. Reis executivos, legislativos e judiciários, cada um com privilégios, venetas, com seu cardápio predileto de bajulações à la carte, de pompa e circunstância. Quando um ego humano atinge certos escalões, vira um tigre criado desde o berço com filé mignon: fica exigente que fica danado.

Paes de Andrade era presidente da Câmara dos Deputados no governo Sarney. Numa viagem oficial do mandatário, a Constituição o fez assumir por alguns dias a presidência. O que fez ele? Encheu um avião de correligionários e partiu para Mombaça (CE), sua terra natal, “para que a História registre”, disse, “que Mombaça já foi visitada por um presidente aqui nascido”. É um episódio digno das “Veias Abertas da América latina” de Galeano, e é a nossa versão institucional dos 15 minutos de fama que Andy Warhol prometeu a cada um no mundo futuro. E não é só no Brasil, embora a gente goste deescavacar essa ferida.

Todo mundo gosta, não é mesmo? É tapete vermelho, é cerimonial e fanfarra, é o exército de xeleléus se desdobrando para ver quem beija primeiro a mão estendida.  Excelência pra aqui, Excelência pra acolá, e ouso dizer que nossos políticos só deixaram de adotar a liteira porque uma limusine é mais confortável. Senão, Brasília pareceria um Festival Debret. Temos o cacoete da realeza, do sangue azul – de tudo quanto pareça nos afastar da plebe que nos ovaciona.

São só os políticos? Que nada. Artista também é chegado. Quando o Fleetwood Mac vendia dezenas de milhões de discos, exigia quatro limusines para trazer do hotel os quatro integrantes da banda. Têm a desculpa de que não é com dinheiro público, mas não é de orçamento que falo, e sim dessa necessidade de ser chamado King Disso, King Daquilo. São os presidentes, os papas, os magnatas, os CEOs, os integrantes de qualquer Hall of Fame. Se não fossem os humoristas que ficam pegando no seu pé, comeriam purpurina para deixar a privada coruscante de cores, e andariam pela rua vestidos de Clóvis Bornay desfilando com sua fantasia de “Apoteose de Roma Imperial”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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