Seremos todos brancos

Redenção de Cam, quadro de Modesto Broco (1895), acervo do Museu Nacional de Belas Artes (Rio), ilustrando as três gerações do branqueamento brasileiro: mãe negra, filha parda, neta branca.

O BRASIL é 45,3% pardo e 43,5% branco. A informação do Censo complementa com 10,2% negros. Estamos na transição para o branqueamento, o pardo sendo fio condutor? O branqueamento foi sempre a aspiração não só dos negros como fuga ao preconceito, como da elite branca, envergonhada com a composição étnica brasileira. O imperador Pedro II, chegou a patrocinar o movimento indigenista nas artes para fugir da vergonha e da culpa de ser o único chefe de Estado com população escrava. Vem daí seu apoio material a compositores como Carlos Gomes, autor de O Guarani, e escritores como José de Alencar, de Iracema; melhor enaltecer o índio poético, puro, distante e longe das vistas, que o negro sujo e descalço das ruas e das residências, vendido como mercadoria e tratado como animal depois de avançado o Iluminismo.

O Império não podia se desvencilhar do trabalho escravo que o sustentava; quando o aboliu, fez nascer a República. Mas a população negra continuou sendo o pesadelo da elite branca. O indicativo, o fenômeno das primeiras décadas da República na proliferação de sociedades de estudos sobre eugenia, a pseudociência da purificação étnica – um movimento que tivera apoio em dom Pedro II, que se correspondia com o conde Arthur de Gobineau, divulgador francês da eugenia. Em 1911, o médico João Batista de Lacerda, diretor do Museu Nacional, defensor da tese do branqueamento da população brasileira, foi o único representante da América Latina no Congresso Universal de Raças, realizado em Londres, onde apresentou seu estudo ‘Sobre os mestiços do Brasil’. Lacerda teve apoio oficial, aprovado pelo presidente Hermes da Fonseca.

A tese do branqueamento pela miscigenação ainda é sustentada pelo darwinismo social, pelo qual a população mais forte suplanta e domina a mais fraca e assume o poder do Estado. Entre nós o caminho seria a miscigenação, pela qual, segundo João Batista de Lacerda, em um um século, três gerações, todo o Brasil seria branco, assimilado ao homem europeu. Já se passou século e tanto desde a Lei Áurea e a tese de João Batista de Lacerda. A julgar pelo Censo, o movimento continua com os pardos a caminho do branqueamento; essa miscigenação não pode ser fruto exclusivo da inclinação afetiva ao casamento misto, pois se sabe desde sempre que tais uniões também têm sua componente de ascensão social. E os índios? Ora estes desaparecem por inanição, ataques de garimpeiros e posseiros e e pela indiferença criminosa do Estado.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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