Sessão da meia-noite no Bacacheri

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Ettore Scola retrata a vida e a obra do diretor italiano Federico Fellini no vigésimo aniversário de sua morte. O longa, o primeiro de Scola em 10 anos, depois de declarar sua aposentadoria, mistura ficção e documentário e inclui cenas dos dois diretores quando jovens.

Che Strano Chiamarsi Federico. Documentário. 90 minutos. Ettore Scola. Elenco: Tommaso Lazotti, Vittorio Viviani, Sergio Pierattini, Antonella Attili.

Ettore Scola e Federico Fellini se conheceram ainda jovens, quando Scola se tornou colaborador de um jornal desenhando charges, o mesmo em que Fellini trabalhou um dia exercendo a mesma função. Daí nasceu uma amizade que perdurou por anos, até depois de ambos adentrarem na indústria cinematográfica. Relembrando a vida do falecido amigo, e os bons momentos de sua relação com ele, Scola deu origem ao filme biográfico “Que Estranho Chamar-se Federico” (Che Strano Chiamarsi Federico).

Em um misto de narrativa clássica e documentário, Scola busca contar o início da amizade com o amigo, enquanto se utiliza de imagens de arquivos e de filmes de Fellini para ilustrar a vida do diretor e companheiro. Por vezes, o longa ainda faz alusão a cenários e personagens famosos de Fellini – como a prostituta que lembrar a protagonista de “Noites de Cabíria” (1957), e a aparição da fonte da famosa cena de “A Doce Vida” (1960). Scola trata toda essa homenagem de forma delicada, demonstrando toda sua afeição por Fellini a partir das passagens de um narrador que é quase um personagem na trama, enquanto o filme é todo embalado por uma bela trilha sonora.

Ao tratar da metalinguagem do cinema, com um longa que conta história de um diretor cinematográfico e suas obras fílmicas, Scola busca mostrar para o espectador a todo o momento que o que ele está vendo em tela é um filme. Tal ideia já foi explorada por outros diretores (que se utilizaram desde metáforas narrativas, até à técnica de mostra o rolo do filme em determinadas sequências), mas que é empregada de forma ainda mais justa no filme de Scola, que faz isso hora expondo os cenários montados para a narrativa (como quando a tela em chroma key se apaga exibindo seu fundo branco), hora mostrando o narrador interagindo com os personagens a sua volta. Há também o uso do elemento do preto e do branco para narrar cenas do passado juvenil de Scola e Fellini, enquanto pensamentos e cenas dos dois cineastas mais velhos são coloridas – detalhe que ainda há um belo uso da luz e da fotografia nessas sequências, que escondem o rosto dos velhos Fellini e Scola do espectador, ouvindo-se somente a voz dos dois enquanto a câmera foca em personagens secundários.

Que Estranho Chamar se Federico

Entretanto, é bem verdade que tratar do cinema falando sobre o cinema não é novidade para a Scola. Ele já fez isto em outros filmes, e se pode perceber diversas similaridades entre esta produção e seus trabalhos mais antigos, como “Nós Que Nos Amávamos Tanto” (1974). Na verdade, tanto em “Que Estranho Chamar-se Federico”, quanto no longa de 74, tem-se a figura do narrador que interrompe a história na metade para exibir seus pensamentos, assim como o uso da ideia do preto e branco para mostra as diferenças de tempo. Porém, vale ressaltar que, em seu trabalho atual, Scola possui maior liberdade criativa e é auxiliada por sofisticadas técnicas visuais, algo que seria difícil para o diretor fazer em sua juventude.

O único verdadeiro problema do longa é sua curta duração, que deixa a impressão de que poderia ser mostrado muito mais sobre a vida de Fellini e suas produções – e não seria problema nenhum, pois a boa montagem faz com que ele seja bem gostoso de se assistir.

Sendo um tributo poético e inspirador, “Que Estranho Chamar-se Federico” é ainda uma pequena lição de história do cinema, e uma produção imperdível para os fãs de Fellini e do cinema italiano.

Ettore Scola retrata a vida e obra de Federico Fellini. No vigésimo aniversário da morte de Fellini, o filme é uma das homenagens do festival de Veneza para o grande mestre italiano de cinema. Com imagens de arquivo e uma retrospectiva desde a estreia do cineasta em 1939, como jovem designer, até seu quinto Oscar em 1993, o filme é feito de fragmentos, impressões e momentos reconstruídos através da imagem.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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