Treinador estraga noite memorável no futebol feminino com comentário sexista

Kenny Shiels, da Irlanda do Norte, diz que mulheres levam gols porque são mais emotivas

Abril de 2022. Carros dirigem por conta própria, robôs fazem tarefas domésticas e escolhem a música que ouvimos. E ainda precisamos debater declarações sexistas.

O autor da mais recente aqui no Reino Unido se chama Kenny Shiels, treinador da seleção feminina de futebol da Irlanda do Norte. Ao perder para a Inglaterra por 5 a 0, Shiels disse na entrevista coletiva: “No futebol feminino, se você olhar padrões, quando um time leva um gol, toma um segundo em um espaço de tempo muito curto. Acontece no futebol feminino porque meninas e mulheres são mais emotivas que homens. Então, elas não lidam bem com tomar gols”. Diante de olhares incrédulos, completou: “Eu provavelmente não deveria ter dito isso”.

Seria uma noite memorável. Mais de 15 mil pessoas no Windsor Park, em Belfast, recorde de público no futebol feminino. Não sabe quem é Shiels? Eu também não sabia, até este se tornar um dos assuntos mais comentados da semana. Mas você provavelmente já conheceu alguém parecido.

Shiels é aquela pessoa “sem filtro”. Ao longo da carreira como treinador, a maioria em times na Irlanda do Norte e na Escócia e no futebol masculino, acumula suspensões por comentários polêmicos sobre arbitragem e rivais. Já falou que o futebol de seleções não era mais o mesmo e que, se um jogador toma Guinness, pode representar a Irlanda. O próprio médico recomendou que parasse de dar entrevistas pós-jogo porque tende a ficar desequilibrado emocionalmente. Ao assumir a seleção feminina em 2019, classificou a equipe para a Eurocopa, primeiro grande torneio de sua história. Chamou este de “o maior feito esportivo no Reino Unido de todos os tempos”.

A declaração de que mulheres levam mais gols porque são mais emotivas que homens é errada em muitos sentidos, mas caras como ele não acham necessário embasar o que falam. Não há dado científico que mostre uma falha emocional no cérebro feminino causadora do problema. É óbvio que pode acontecer com homens. Como exemplo recente, o PSG levou três gols do Real Madrid em 17 minutos na Liga dos Campeões.

Shiels usa uma tática conhecida. Em vez de reconhecer o próprio erro, que suas jogadoras são inexperientes (a Inglaterra é 8ª no ranking da Fifa, e a Irlanda do Norte, 46ª), elogiar a superioridade das rivais, apelou para um velho truque: desqualificar mulheres usando uma característica física ou as acusando de ser fracas emocionalmente, alimentando a narrativa de que são dramáticas e descontroladas (e imagino que ele tenha visto Cristiano Ronaldo quebrar o celular de um torcedor, Zverev dar uma raquetada na cadeira do árbitro e os últimos minutos do Manchester City contra Atlético de Madrid).

Diante de críticas, o que fez? Pediu desculpas. Típico. Na entrevista, ao criticar suas atletas, ele não muda o tom da voz. Fica a impressão de que o responsável pela seleção adulta de futebol de um país realmente acredita no que disse.

Por fim, comete um engano: achar que é errado ter emoções. Se elas existem, qual o problema? A beleza do esporte não está justamente nisso? Se não gosta, por que continua no futebol? Mas ainda não é hora de se aposentar. Pelo bom trabalho que fez, segue no cargo e com as mesmas jogadoras, ao menos até a Eurocopa, em julho, classificação da qual tanto se orgulha. Se alguém com histórico de declarações infelizes não se arrepende, pelo menos o esporte deveria aprender com isso.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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