Socorro!

Creio que a minha dúvida é a de muitos brasileiros: abandono o Brasil ou desligo a TV? Do jeito que está não dá para ficar. É só morte, violência, ladroagem, patifaria, canalhice. Sei que a TV não é a culpada, mas adora. Começa cedo, de manhãzinha; na hora do almoço (ou logo depois), a Maju tira-nos o apetite ou faz com que ponhamos para fora o que havíamos comido. É uma coisa de louco! Na quinta-feira passada, foram exatos quarenta minutos de tragédia: guerra de quadrilhas no morro carioca, tiroteio, balas ao léu, uma mãe foi morta ao proteger o filho, invasão de domicílio, sequestro, milicianos dominando o território… A PM entra em ação: mais violência, mais sangue derramado… Aí, lembrei-me que a Maria Júlia nem havia ainda entrado na pandemia, o que, por certo, duraria mais meia hora. E teria também o capitão-reformado… Levantei-me, abandonei a TV e fui descansar no banheiro. Agora, estou digitando estas letrinhas.

Na TV, onipresente e permanentemente ligada em nossas casas graças à Covid 19, é uma nova emoção por dia. A mais recente é a protagonizada por aquela pastora-deputada que, em nome do senhor jesus, adotou 52 filhos e mandou matar o marido, que já fora um de seus filhos e genro. O serviço foi feito por outros três filhos. Agora, ela tem oferecido uma das filhas a quem interessar possa. Sim, eu sei que a televisão não inventa, mas faz questão de alardear.

Que o Brasil está uma desgraça todo mundo sabe. Basta lembrar quem está no comando. Mas é preciso enterrar todas as tragédias dentro de nossas casas todos os dias, de manhã à noite? Será que alguém, em algum lugar, não está se atrevendo a fazer alguma coisa boa, digna, alvissareira, capaz de elevar o nosso moral e oferecer-nos um mínimo de esperança? Se tem, a TV ignora. Não dá audiência. Pelo menos é o que me diz o meu filho, que é jornalista televisivo em atividade e afirma ser necessário proceder de acordo com a realidade existente.

Tenho certeza, porém, que ele, como eu, prefere quando a TV mostra a força que tem e o jornalismo brilhante que também sabe praticar. Como agora está fazendo a Globo, ao enfrentar, com competência e resultado, o prefeito carioca, também pastor evangélico e outro malandro de carteirinha, que, de olho na reeleição, mantém com o dinheiro público lacaios encarregados de silenciar a população que se queixa do péssimo atendimento da rede hospitalar municipal do Rio de Janeiro.

“O tempora! O mores!” – bradou Marco Tulio Cícero, nas célebres Catilinárias, no Senado Romano. Para quem não é versado no latim: “Oh tempos! Oh costumes!” E isso 68 anos antes de Cristo! Protestava contra os vícios e a corrupção de seu tempo, quando conspirações governavam Roma. O que diria hoje o notável tribuno?

O que me causa espanto (e pavor) é que a grande maioria do povo brasileiro é de boa índole, gente decente, trabalhadora, digna. No entanto, são as minorias criminosas que se sobressaem. Na política, da administração pública, na polícia, nas cidades e nas comunidades. A maioria, no entanto, silencia, esconde-se, tem medo. E os lugares vagos são ocupados pelos bandidos, pelos criminosos, pelos estupradores e pelos corruptos de toda natureza.

Na semana passada, completei 80 anos, coisa que jamais imaginei. Ou, melhor, como ensinava o meu querido e saudoso Rubem Alves, “desfiz 80 anos”. “Quando anos tenho? Não sei; sei quantos não mais tenho”. No meu caso, 80. Quantos ainda tenho, só Deus sabe. Um, dois, nenhum? É coisa para o Altíssimo responder. Só torço para que do outro lado, se houver outro lado, tudo seja diferente e não haja TV.

Digo a minha idade para dizer que, com todo esse tempo nas costas, pensei que já havia visto e vivido tudo. Não havia, como constato agora, em plena pandemia que nos prende em casa e nos tira a vida, neste Brasil de 2020, sob a proteção do Messias que não é aquele.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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