O general vice-presidente Hamilton Mourão garante que não há racismo no Brasil. Segundo Mourão, “isso é uma coisa que querem importar”. Justificou: “Eu morei nos Estados Unidos. Racismo tem lá”. Para ele, a estúpida execução de João Alberto Silveira Freitas, no piso do estacionamento do Carrefour gaúcho, foi mero acidente de percurso nesta Pátria Armada. O desastrado jardineiro, que vivia de pequenos serviços, deve ter tropeçado num dos seguranças do estabelecimento, tinha maus antecedentes e mereceu o corretivo. A morte foi só uma circunstância. E a fato de a vítima ser conhecida como Nego Freitas, uma coincidência. Assim como a estatística de uma pessoa negra ser morta no país por policiais a cada duas horas.

A propósito, excelência, quantos generais negros tem no Exército brasileiro? No norte-americano tem vários. Um deles, Colin Powell, chegou a secretário de Estado. Outro negro, ainda que não general, chegou à presidência da República. Barack Obama. Lembra-se dele, general?

A afirmação do vice remeteu-me a outra estultice do gênero, quando o cientista Charles Murray e o psicólogo e professor de Harvard Richard Hernstein, ambos americanos, sustentaram em conjunto, em um livreco, que o QI dos negros é inferior ao dos brancos.

Murray confessou a Sérgio Dávila, da Folha de S. Paulo, não conhecer o Brasil e pouco saber sobre nosso país. Uma pena. Se conhecesse, saberia que aqui também temos os nossos QIs baixos. E quase todos na vida pública nacional. Mas nenhum (ou muitíssimo poucos) de pele escura. Nossos negros são sinônimos de brasilidade e desmontam, com um pé nas costas, as preconceituosas conclusões de Murray, Hernstein e assemelhados.

No Brasil, graças à canalha escravocrata que importou os negros da África, o maior escritor – hoje reconhecido como um dos maiores do mundo – foi o negro Joaquim Maria Machado de Assis; alguns dos maiores poetas, como Castro Alves e Cruz e Sousa, eram negros; nas artes e na música em especial, os grandes astros marcaram presença com a sua negritude: Pixinguinha, Sinhô, Ismael Silva, Cartola, Heitor dos Prazeres, Monsueto Menezes, Zé Keti, Lupicínio Rodrigues, Caymmi, Sebastião Prata (Grande Otelo), Ruth de Souza, Milton Gonçalves, Antônio Pitanga, Odelair Rodrigues, Taís Araújo, Jorge Benjor, Paulinho da Viola, Ângela Maria, Zezé Motta, Milton Nascimento, Elza Soares, Tim Maia, Leny Andrade, Luiz Melodia, Alcione, Gonzaguinha, Wilson Simonal, Jair Rodrigues, Gilberto Gil, Djavan, Seu Jorge, Lázaro Ramos, Chico César, Mussum, Ed Mota, Emílio Santiago e Vinícius de Moraes, que sempre se considerou “o branco mais preto do Brasil”. E no esporte? Aí, já é covardia: Edson Arantes do Nascimento, Mané Garrincha, Didi, Zizinho, Leônidas da Silva, Barbosa, Domingos da Guia, Djalma Santos, Ronaldo, Ronaldinho, Robinho, Neymar, Dida, Daiane dos Santos, Leandro Barbosa, Janeth, Nelson Prudêncio… e vai por aí afora.

Tudo gente de baixo QI, como tinham sido Zumbi dos Palmares, Luís Gama, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, o extraordinário geógrafo Milton Santos e o ministro Joaquim Barbosa, do STF. Será que é tudo branquelo disfarçado de preto?

No Brasil, prezado general vice-presidente, realmente não deveria haver racismo, pois, como brasileiros, somos todos índios, europeus e negros. De uma forma ou de outra, já tivemos um pezinho na senzala. E isso só pode nos encher de orgulho. Mas há. E muito. Aqui o preconceito existe sim, junto com a desigualdade, e é grande. Em cada esquina, nas praças e jardins, nas lojas e shoppings, nos condomínios, nas escolas. E nos quartéis.

P.S. – Diego Armando Maradona. Um gênio com a bola no pé, um ser humano com as suas fraquezas e contradições fora de campo. Não apenas o futebol, mas o mundo perdeu ontem uma de suas principais figuras. Segue em paz, Don Diego.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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