Ainda a divindade

O leitor é testemunha do esforço que eu tenho feito para distanciar-me do demente de Brasília. Não é fácil, posto que o maledetto oferece farta matéria prima, renovada todos os dias. O bom seria que a imprensa também o esquecesse, deixasse-o apenas para os seus (dele) infelizes seguidores, até o momento em que ele se desfizesse por inteiro e por si mesmo.

O amigo Paulo Motta ofereceu-me a primeira oportunidade; seguiu-se o saudoso e sempre presente Rubem Alves. Agora, é o leitor Franccisco (com dois ces?) Franco Cruz que dá a deixa para eu completar a trilogia sobre a divindade. Ao comentar o meu texto da semana passada, no facebook, Franccisco (ou Francisco?) comparou o pensamento de Rubem ao de Spinoza. E antes que os leitores desinformados imaginem tratar-se do gaúcho Valdir Espinosa, ex-técnico do Grêmio Portoalegrense, explico que o Spinoza citado por Franccisco é o filósofo holandês Baruch Espinosa, de origem judaica portuguesa, nascido em 1632 e falecido em 1677, cujo pensamento recebeu a influência de Immanuel Kant, Descartes, Platão e Aristóteles, dos quais investigava os escritos, e que se assinava Benedictus de Spinoza.

Certa vez, perguntaram a Einstein se ele acreditava em Deus. Resposta: “Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”. Exatamente como pensava Rubem Alves, que certamente era leitor e admirador de Spinoza.

Tido como ateu – tanto que sofreu, como toda a sua família, a perseguição da inquisição católica –, Spinoza acreditada que Deus era o único motivo da existência de todas coisas, era a engrenagem que movia o Universo, e que os textos bíblicos nada mais eram que símbolos, que dispensavam qualquer abordagem racional. Para ele, os textos contidos na Bíblia não traduzem a realidade que envolve o Criador e a sua criação.

Alguém duvida? Rubem Alves não duvidava. Nem eu. Modestamente. Mas aceita-se opiniões contrárias.

Como podia ser considerado ateu quem achava que Deus é tudo e tudo é Deus ao mesmo tempo?!

Segundo Spinoza, Deus é aquilo que existe por si só, e por nada mais é determinado a existir. Ou tudo aquilo que existe em Deus e é parte essencial Dele. Quer dizer: Deus não criou o mundo. Ele é o mundo.

De saúde frágil, Spinoza teve uma passagem rápida por esta vida. Partiu aos 44 anos, vítima da tuberculose, em Haia, onde vivia com a família Van den Spyck. Ainda assim, foi considerado um dos maiores, se não o maior, pensador do século XVII. E ainda hoje inspira os filófosos de todo o mundo.

Se o leitor se interessar por conhecer um pouco mais de Spinoza deve ler a sua principal obra, “Ética”, onde ele expõe a inteligência divina, procurando demonstrar que o espírito e a matéria seriam apenas algumas qualidades de Deus. A edição impressa é da Autêntica, de 2017, que a Amazon tem em estoque por R$ 33,71, com tradução de Tomaz Tadeu, cujo cuidadoso trabalho, segundo Homero Santiago, de O Estado de S. Paulo, “é, sem dúvida, superior a todas as outras tentativas em língua portuguesa (…) e, com justiça, vai se impor nos próximos anos como a tradução padrão da Ética em português”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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