Três perguntas para Paulo Cesar Basta

Médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Paulo Cesar Basta coordenou uma pesquisa encomendada pela Unicef sobre a desnutrição de crianças indígenas em oito aldeias yanomanis.

1 – Como é a morte por desnutrição de uma criança yanomami?

Ela pode ocorrer em questão de dias, se, por exemplo, a criança tiver um quadro de diarreia acompanhada de vômito intenso. Isso acelera o processo de desidratação e você pode perder a criança de um dia para o outro, porque, em geral, nas aldeias não há socorro próximo nem pessoas treinadas para procedimentos elementares de assistência. Existem 370 aldeias yanomamis no Brasil e só 78 têm postos de saúde.

Mas o padrão mais comum é de uma morte mais lenta e insidiosa. Como não há nas aldeias coleta de lixo, sistema de esgoto nem água potável, o chão onde as crianças engatinham está contaminado e a água que elas bebem muitas vezes vem de lagos com todo tipo de resíduo humano e animal. Além disso, com a invasão dos garimpeiros, a oferta de comida tem ficado cada vez mais escassa.

O que acontece, então, é que uma criança, nascida com peso normal, depois que é contaminada pelos micro-organismos do solo ou da água e tem a sua primeira diarreia, sofre uma perda de peso significativa e não mais se recupera — ao contrário do que acontece em ambientes onde existem condições básicas de nutrição e assistência médica, ela não recupera mais seu peso.

A partir daí, por causa do acesso limitado à proteína, essa criança deixa de formar tecido muscular, deixa de reservar nutrientes para o crescimento dos ossos e articulações, e vai guardar os pouco nutrientes disponíveis para concentrar na preservação dos seus órgãos vitais. A criança vai tentar utilizar esses poucos nutrientes disponíveis para preservar a sua vida. Com isso, o corpo vai sendo consumido.

2 – Como esse processo afeta a aparência e o comportamento da criança?

Ela vai ficando apática, não corre, não brinca, não sai mais da tipoia da mãe. A coloração da pele vai mudando, ficando amarelada e às vezes acinzentada. O cabelo vai ficando ralo, e mais claro.

Algumas crianças das aldeias yanomamis parecem uns indiozinhos louros. Esse é um indicador de desnutrição grave — e que hoje, século 21, só está presente na África Subsaariana. Você só vai encontrar crianças com esse grau de desnutrição em países da África Subsaariana.

3 – Esse grau de desnutrição é o mais alto já observado entre os yanomamis no Brasil?

Os nossos dados revelam que esses indicadores de desnutrição estão estabilizados nesse patamar há pelo menos 15 anos.

O problema na terra yanomami não começou no governo Bolsonaro. Ele se acentuou no governo Bolsonaro porque o governo Bolsonaro, além de negar o acesso regular aos serviços de saúde, fomentou a invasão de garimpeiros no território.

Quase 20 mil garimpeiros entraram lá nesses últimos quatro anos e degradaram ainda mais a situação: contaminaram os rios, devastaram as áreas de floresta e provocaram a escassez do pescado, da caça e dos produtos de coleta.

O que houve agora no governo Bolsonaro foi um recrudescimento, uma violência adicional. Mas o estado, a nação brasileira, tem uma dívida histórica para com os povos originários —e esses indicadores de desnutrição e mortalidade que vemos pelo menos desde 2008 expressam isso de uma forma escancarada.

A Etiópia é aqui

Os pesquisadores Paulo Cesar Basta e Jesem Douglas Orellana, da Fundação Oswaldo Cruz, coordenaram uma equipe que percorreu oito aldeias yanomamis nos estados de Roraima e do Amazonas entre os anos de 2018 e 2019. O trabalho, financiado pela Unicef, teve como objetivo pesquisar as causas sociais da desnutrição de crianças nessas regiões.

Das 304 crianças indígenas menores de cinco anos examinadas por Basta e sua equipe, metade já havia feito tratamento para pneumonia nos últimos três meses e mais de 30% haviam tido diarreia nas últimas 48 horas. Perto de 61% do total apresentavam “severa baixa estatura para a idade”; 48%, baixo peso; e 67%, anemia.

Esses dados, afirma Basta, confirmam que a situação nutricional das crianças yanomamis é a mais grave já reportada em toda literatura científica nacional e uma das mais dramáticas também em escala mundial.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Thaís Oyama - UOL. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.