Travessuras de gente famosa – II

Depois de castigar os amigos Carybé e Tibúrcio pelo trote que lhe aplicaram, faltava a Jorge vingar-se da também amiga Gizella Valadares, que, segundo Carybé, tivera a ideia da brincadeira. Gizella era diretora da escola e inglês Ebec.

Naquela manhã, o jornal A Tarde, de Salvador, estampara um anúncio de três colunas na primeira página:

Bolsas de estudo em universidade americana

“A escola de inglês Ebec, na rua João de Botas, em prosseguimento à campanha de intercâmbio cultural Brasil-Estados Unidos, oferece aos vinte primeiros candidatos que se apresentarem na manhã do dia 12, segunda-feira, à citada escola, uma bolsa de estudos de três meses nos Estados Unidos. Passagens pagas, estada e duzentos dólares por mês. Pede-se levar documento de identidade e diploma de curso primário. Assinado: Gizella Valadares.”

No dia 12, a rua João de Botas amanheceu congestionada. Centenas de pessoas aglomeraram-se em frente à Ebec. Candidatos às bolsas de estudo anunciadas em A Tarde tentavam entrar na escola e falar com os responsáveis. De jornal na mão e impacientes, já que ninguém os atendia, os candidatos foram chegando e o tumulto generalizou-se.

Carybé, a muito custo, conseguiu entrar na escola. Ao vê-lo, Gizella gritou, furiosa: “Isso é coisa daquele moleque!…”. Carybé sugeriu que ela colocasse um cartaz fora da porta avisando que as vagas já haviam sido preenchidas. Acabou ele mesmo fazendo o cartaz. Depois, junto com Jorge riam de se acabar.

– Quer dizer que ela estava furiosa? – indagou Jorge.

– Furiosa é apelido – respondeu Carybé. Ela estava desesperada, histérica, com medo de que o povo invadisse a escola, rebentasse aquilo tudo… E quase invadiram mesmo. Não chegaram a forçar a porta, mas ameaçaram, gritaram, disseram todos os desaforos que você possa imaginar.

– Agora, só está faltando o último detalhe da vingança – aduziu Jorge.

– Qual o detalhe, compadre – quis saber Carybé.

– Eu só quero ver a cara dela quando chegar a cobrança do anúncio, ou você esquece que ele foi feito em nome dela? – completou Jorge.

É sabido que, ao atender o funcionário de A Tarde com a nota de cobrança do anúncio, Gizella endoidou: “Vá cobrar daquele vagabundo do Jorge Amado!” Mas acabou pagando. Com mais um inesperado arremate da vingança: pressionada com ameaça de processo, por candidatos de maus bofes, Gizella viu-se obrigada a dar três bolsas de estudo na própria Ebec.

Felizmente, tudo passou. Jorge, Carybé, Tibúrcio e Gizella voltaram a ser amigos que se estimavam. Riram muito do acontecido, enquanto maquinavam novas peças.

P.S. – As malandragens dos bons baianos foram extraídas do livro de Zélia Gattai, “A Casa do Rio Vermelho”, edição de 1999, da Companhia das Letras, ainda à disposição dos interessados nas boas casas do ramo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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