Treze poucas coisas, muito poucas, que eu sei sobre Sérgio Mercer

Uma. SM calçava sapatos número 39 e meio. Esse meio quem conferiu foi o irmão Carlos Alberto (Nene) Mercer, que calça justo 40, depois de herdar dúzias deles, que ficaram levemente apertados.

Duas. SM só viajou para o hemisfério Norte nos anos 80s. Esteve duas vezes na Europa e uma vez no Canadá e EUA. Era freguês de Buenos Aires, desde 1975. E foi de onde trouxe, por supuesto, o seu bandoneón imaginário.

Três. Da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná merecia apenas meio diploma. Só se fez presente nas aulas que começavam depois das dez.

Quatro. SM era um leitor precoce: do gibi, passou direto para o pocket-book, no original: O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger.

Cinco. Vadico, um colega de cursinho, foi quem lhe apresentou o jazz.? Muitíssimo prazer!?, respondeu SM.

Cinco e meio. O perfume de SM era Eau Sauvage. Anteriormente, usava o muito especial Penhaligons Lavande.

Seis. SM nasceu numa casa de mesa sempre posta. Eram três as cozinheiras: Celina, Aidê e Babica. Ele gostava de lidar com comidinhas, mas não sabia fritar um ovo. O mignon do restaurante Île de France, este era o prato predileto do Barão de Tibagy – que escrevia suas crônicas numa máquina de escrever portátil Smith Corona. Seu pai, Laurito – Laurentino Bittencourt Mercer – , advogado da comarca de Tibagi e causídico da família Klabin, este sim era o gourmet da família. Fazia os filhos acordarem cedo para comprar finas iguarias no Bizinelli. Seu tio, Edmundo Mercer Jr., também era de boa mesa: quando empossado desembargador, ofereceu paçoca às autoridades da capital e foi um espanto: a paçoca de Tibagi, desde então, virou moda em Curitiba.

Sete. SM e Nene Mercer foram criados como irmãos gêmeos. Dona Neusa vestia os pimpolhos com roupas iguais, dando chance para a chacota dos parentes: ?Os par de vaso da Neusa?. Entroncados e gordinhos, também eram chamados em Tibagi de ?os alfas do Laurito?, em homenagem ao caminhão Alfa Romeo – o saudoso FNM, ou ? fenemê?.

Oito. Havia uma insolúvel pendenga entre SM e Osiris de Brito, acerca de duas cantantes: ?Sou mais a Elis Regina?, dizia SM. ?Sou mais a Elizete Cardoso?, retrucava Osiris de Brito, com um adendo: ?A Elis não tem o pennache da Elizete?.

Nove. Certa feita, no Bar Botafogo, um camarada foi fazer aperitivo com um saco repleto de caranguejos. Depois de umas e outras, o saco se abriu e os crustáceos, sorrateiramente, se espalharam sob as mesas. Discretamente, SM chamou o Irineu (Queixinho) Mazarotto – que também já se foi – e perguntou no ouvido: ?Isso aí que eu estou vendo é real ou é fruto da minha imaginação??.

Dez. Pouco antes de partir, SM fazia um prognóstico: ?Quando bater na nossa porta, essa internet vai mudar a nossa vida?.

Onze. No dia em que SM faleceu, Atlético Paranaense e Santos jogavam pela Copa do Brasil, na velha Baixada. Vitória do Furacão, com três gols de cabeça: dois de Oséas, um de Paulo Rink. O goleiro do Santos era Edinho, o filho do Rei. Tataio, que estava nas sociais, desceu ao campo e mandou fazer um minuto de silêncio. Mercer gostava mais do lado de cima de Curitiba que do lado de baixo. A divisa, segundo ele, era a Emiliano Perneta, a antiga Rua Aquidaban. Da parte de baixo, só gostava mesmo do Atlético.

Doze. Na madrugada do velório de SM, o fiel companheiro Tataio fez as ?honras da casa?: montou um bem fornido bar no bagageiro de um Gol e o estacionou num canto afastado e discreto. Um garçom chorava e nós também choramos muito.

Treze. Sergio Fernando da Veiga Mercer está nos fazendo uma tremenda falta.

26|fevereiro|2006

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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