Mônica e os Rogérios

Quando Mônica Rischbieter foi demitida do Teatro Guaíra, sem qualquer comunicação pessoal, via Diário Oficial, deixei um comentário num dos textos que o Zé Beto publicou, lamentando o mérito e a forma da exoneração. Volto ao tema em virtude de dois textos publicados no dia 9 de fevereiro pelos dois Rogérios: O Galindo (Mônica Rischbieter questionou uso de verba da Lei Aldir Blanc antes de ser exonerada – Plural) e o Distéfano (Oxigenação é a … – O Insulto Diário).

É evidente que todo aquele que exerce cargo em comissão, de livre nomeação e consequentemente de livre demissão, pode ser exonerado sumariamente pelo agente que o nomeou. Como a demissão é discricionária, nenhuma satisfação precisa ser dada. ao exonerado. Caso seja servidor público, resta voltar ao seu cargo originário. Ao não servidor público, o caminho é o de casa. É a regra do jogo. Mônica, ao que parece, não é servidora pública e se encontra no lar, junto aos seus. A boa educação recomenda, apenas, que antes do ato ser publicado no Diário Oficial, o demitido seja avisado, ao menos recebendo um telefonema, sendo que o ideal é uma conversa franca e aberta, daquelas “olho no olho”. Preferiram a falta de educação, o que é lamentável, conforme se vê de todos os textos publicados sobre a questão. Quanto à competência de Mônica, é indiscutível e unânime. Vai fazer muita falta, muito embora o substituto seja do ramo.

No caso de Mônica, segundo o texto do Distéfano, era melhor não haver explicação alguma. As apresentadas, com uma semana de atraso, são de lascar.

Sorte Mônica não ser servidora pública de carreira. Quando Perón assumiu o poder na Argentina, sua assessoria resolveu dar uma “oxigenada” na Biblioteca Nacional, onde o já mundialmente famoso poeta Jorge Luís Borges dava expediente como diretor. Alguém lembrou que Borges era servidor público e não poderia ser simplesmente demitido. Perón resolveu a questão nomeando Borges como diretor do Mercado Público de Abasto. Borges, com toda razão, não querendo mexer com cebolas e repolhos, entregou o cargo, recolheu seus pertences, foi ao aeroporto e embarcou para a Suíça, onde viveu até morrer. Mônica, ao menos, não vai ser nomeada para um cargo muito abaixo de suas capacidades, que são imensas.

Já sobre a tal “oxigenação”, que tanto repúdio mereceu do Distéfano, é importante apontar que as mesmas, operadas na “subpasta” da Cultura, foram de doer a alma. Primeiro, “oxigenaram” a TV Educativa, que virou Turismo. Pelo nível da programação, era melhor ter sido modificada para TV Turfística, ao menos divulgariam e transmitiriam as corridas do Hipódromo do Tarumã e fomentariam a criação nacional de equinos.

A Rádio Educativa, então, foi devidamente “oxigenada”. Da melhor da cidade, passou a ser a pior. Ouvir a sua “nova programação” é manifestação sadomasoquista a ser tratada por um bom psiquiatra.

Meu medo é que com a “oxigenação” do Teatro Guaíra o mesmo venha a ser privatizado. Se faz uma licitação e assume a concessão a BR Travessias… Antes que algum chato apareça dizendo que a tal BR não tem experiência em teatros, respondo que também não tinha em travessia marítima e mesmo assim ganhou a licitação.

Com a tal empresa, já é possível imaginar o primeiro concerto da Orquestra Sinfônica do Paraná: No primeiro ato, a “9ª Sinfonia”, de Beethoven, em ritmo sertanejo, com Bruno e Marrone cantando a “Ode à Alegria”, de Friedrich Schiller. No segundo ato, todas as Bachianas Brasileiras, de Villa-Lobos, em ritmo funk, com solo da Anitta. Vai ser um sucesso de arromba. Corre o risco o Teatro Guaíra, com a fantástica lotação que vai ter, de afundar, já que tudo da BR Travessias vai por água abaixo.

Nos tempos do secretário René Dotti, também havia muita pressão pela “popularização” do Teatro Guaíra e da Orquestra Sinfônica. Deputados e prefeitos queriam que a orquestra se apresentasse nos seus municípios, mas com um repertório “popular”. Dotti topou, desde que, como disse a Mônica, os municípios se responsabilizassem pelo transporte dos músicos e dos instrumentos. As ordens do secretário chegaram aos maestros da orquestra e eles foram peremptórios: não tocariam música popular. Sabendo da novidade, o professor René ligou para o Guaíra e perguntou se os maestros estavam presentes. Disseram que sim. O secretário levantou da mesa e foi andando até o teatro. Chegando lá, pediu uma reunião com os maestros. Depois de uma curta conversa, estava tudo acertado: A orquestra iria ao interior e começaria atacando com “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso. Depois, com chorinhos de Ernesto Nazareth e “Trenzinho Caipira”, do citado Villa-Lobos. Quando menos se esperava, a orquestra enfiava Mozart, Franz Liszt e outros da mesma qualidade. No “grand finale”, vinha a já citada 9ª de Beethoven. Para o “bis”, reservavam a “Abertura 1812”, de Tchaikovski. As vezes, invertiam, fechavam com o russo e deixavam o alemão para o “bis”. O público, em praça pública, delirava.

Quanto ao Guaíra, as queixas eram de que era muito elitizado. No início da gestão Dotti, o empresário da Dercy Gonçalves pediu um fim de semana. Consultado, o secretário disse que sim, claro, colocassem o teatro à disposição dela. O mundo veio abaixo, o Guaíra iria se prestar a receber uma “velha” que só falava palavrões. René Dotti nem aí, os ingressos esgotaram no primeiro dia. Tiveram que marcar duas sessões extras. O público lotou o Guairão e se divertiu.

Tempos depois, foi a vez do empresário de Chitãozinho e Xororó, já mais ou menos famosos, mas em início de carreira. A direção do Guaíra ficou receosa e achou melhor consultar o secretário. Dotti, que talvez ainda nem soubesse quem eram Chitãozinho e Xororó, perguntou qual era o receio. Responderam que era uma dupla sertaneja e que nunca o Guaíra havia aberto suas portas para tal gênero musical. O secretário disse: “Pois que abram as portas. Na vida tudo tem uma primeira vez”. O mundo veio abaixo de novo. Um jornalista chegou a escrever que as caravanas que viriam do interior e os favelados da cidade haveriam de depredar o teatro. O Guaíra lotou na quinta, na sexta, no sábado (duas apresentações) e no domingo (mais duas apresentações). Não sofreu nenhum dano e o público, que tinha vindo mesmo do interior e da periferia, teve comportamento exemplar, cantando e aplaudindo com os seus ídolos.

Depredação mesmo aconteceu dias depois, quando o Tribunal Regional Eleitoral requisitou o Guaíra para entregar a diplomação do prefeito, do vice e dos vereadores eleitos. Os “convidados dos representantes do povo” rasgaram, a canivete e facas, mais de trinta poltronas de veludo. Jogaram no carpete dos corredores líquidos que o corroeram até o piso. Os mictórios dos banheiros masculinos foram derrubados com barras de ferro e nem o banheiro feminino foi poupado, um vaso sanitário foi arrancado.

René Ariel Dotti, quando ficou sabendo do vandalismo, limitou-se a dizer que mandassem realizar os consertos devidos e que tirassem cópias de todas as notas fiscais. Feita a “pequena” obra de restauração, cobrou mais uma vez a cópia das notas. De posse delas, marcou uma audiência com o desembargador presidente do Tribunal Regional Eleitoral e entregou a conta. Pediu que depositassem na conta do Teatro Guaíra. Depositaram.

P.S. – Lembro da vez em que estive no Teatro Guaíra para assistir a um show de Sérgio Reis, Renato Teixeira e Almir Sater, denominado “Tocando em frente”. Abriram e fecharam o espetáculo com “Romaria”, tendo o público inteiro cantado junto com eles. No meio do show, cantaram, mais uma vez acompanhados pelo público, “O menino da porteira”. A diretora do Teatro Guaíra era a Mônica Rischbieter, popular e oxigenada desde sempre.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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