Um ano após a morte de Millôr, filho divide a obra em três partes e profissionaliza a gestão

ivan-fernandes“Tomei essa decisão porque jamais poderia cuidar de um acervo desse tamanho sozinho” diz Ivan Fernandes.  Livros, produção teatral e desenhos serão geridos por instituições diferentes. Foto O Globo

Hoje, quando completa um ano da morte do desenhista, dramaturgo, tradutor, jornalista e escritor carioca Millôr Fernandes (1923-2012), Ivan Fernandes, seu filho mais velho, anuncia que vai “profissionalizar a gestão” do acervo do pai.

Galeria. O legado de Millôr

Para isso, Ivan dividiu em três partes o material que desde 1962 enche (de forma extremamente organizada) gavetas, estantes e armários no estúdio em que Millôr trabalhava — uma pequena cobertura em Ipanema. A partir de agora, tudo o que diz respeito aos mais de 120 livros assinados pelo autor de “Fábulas fabulosas” (1964), por exemplo, ficará sob a responsabilidade da agente literária Lucia Riff. Tudo o que tange à produção teatral — e aí entram mais de 80 peças escritas por Millôr, mas não necessariamente encenadas — correrá a cargo da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus). E a parte mais colorida do acervo — os desenhos, aquarelas e crayons, entre outros trabalhos que saltam aos olhos dos fãs — serão levados ao Instituto Moreira Salles (IMS), na Gávea. Além de armazenar e conservar cerca de sete mil itens, a instituição poderá organizar exposições e planejar novas publicações em torno do nome de Millôr.

— Tomei essa decisão porque jamais poderia cuidar de um acervo desse tamanho sozinho — explica Ivan, sentado próximo à mesa de trabalho e aos lápis de colorir de seu pai. — Admiro muito o esforço que herdeiros como o João Candido Portinari fazem, mas não quero ser como eles. Quero que a obra de meu pai seja preservada, mas não pretendo fazer disso minha vida.

“Dinheirinho no banco”

Ivan recebeu da irmã, Paula, a outra única herdeira de Millôr, autorização para gerir o acervo em nome dos dois. Segundo ele, a procura deve ser grande. No último ano, Ivan recebeu pelo menos uma dezena de propostas para liberar o uso de trabalhos de seu pai em eventos.

— Mas, na maioria das vezes, foram propostas indecorosas camufladas de homenagens — ele diz. — Houve quem quisesse montar uma peça sem pagar os direitos. Eu me aborreci com isso. Agora, basta de homenagem, até porque a maior delas já foi feita no largo do Arpoador, que virou Largo do Millôr. O que quero é dinheirinho no banco.

No que diz respeito a reavivar a produção literária de Millôr Fernandes, o trabalho já engatou. Lucia Riff conta que passou as últimas semanas renegociando com a editora L&PM os contratos de cerca de 30 títulos assinados pelo escritor, mas ressalta que sua função como agente está só começando:

— Millôr tem coisas antigas sensacionais, coisas que estão fora do mercado há anos e que precisam ser resgatadas. Também vamos trabalhar o que foi mal publicado e anda abandonado. Não tenho a menor dúvida do potencial que existe pela frente. E um dos exemplos disso é a grande procura que tivemos recentemente para o uso da obra dele em livros didáticos, por exemplo.

Apesar de ter feito diversas pesquisas, nem Ivan nem Lucia sabem ao certo quantos livros levam a assinatura do escritor. Há quem diga que são 123. Há quem diga que são 189. Mas o fato é que hoje só 21 deles podem ser encontrados em livrarias.

— Reeditar todo esse material é uma das tarefas da Lucia — diz Ivan. — Mas não vai ser fácil. Meu pai fez a loucura de distribuir suas publicações por 14 editoras.

6.577 obras em papel

Em relação aos textos teatrais deixados pelo pai, o filho mais velho de Millôr decidiu que o melhor caminho seria passar a responsabilidade da gestão dos direitos autorais ao departamento de Teatro e Dança da Abramus.

— Tirei tudo da Sociedade Brasileira de Autores (Sbat) porque eles já não estão dando conta e é muito material. No último ano encontrei cerca de 80 peças de meu pai digitalizadas, mas acho que ainda há muito mais por aí — afirma Ivan. — Nas próximas semanas vou à Funarte, à Biblioteca Nacional e até ao antigo departamento de censura para solicitar tudo que é de papai e que passou por lá. Estou curioso.

Por fim, está a parte do acervo que, nos próximos dias, será retirada pelo IMS do pequeno quarto e sala de móveis vermelho-sangue situado no coração de Ipanema. Segundo Julia Kovensky, que coordena o setor de iconografia do instituto e que passou uma semana enfurnada no estúdio inventariando o material, esta é a parte mais conhecida e admirada do trabalho de Millôr.

— Nas duas mapotecas dele, encontramos 6.577 obras em papel em diversas gramaturas. São trabalhos em nanquim, aquarela, crayon, guache e muitas colagens. O humor típico dele permeia quase tudo. Eu e minha assistente rimos muito durante o trabalho — conta Julia.

Nos quatro arquivos verticais (também vermelhos), a jovem geógrafa achou pastas suspensas detalhadamente organizadas pelo próprio Millôr.

— Ele as dividiu por temáticas como racismo, morte e adultério e pôs, dentro delas, centenas de recortes de jornal e pedaços de textos que provavelmente serviriam de fonte de pesquisa ou de inspiração algum dia — diz Julia.

Além de tudo isso, o IMS também ficará responsável por guardar e disponibilizar para consulta 44 quadros pintados pelo desenhista e 101 encadernações feitas pelo próprio Millôr com a maioria dos trabalhos que ele publicou.

— Essas encadernações são verdadeiros clippings ou portfólios — explica Julia. — Têm tudo que o Millôr publicou nas revistas “Cruzeiro”, “Pif Paf”, “Isto É” e “Veja”, além do que saiu no “Pasquim” e no “Jornal do Brasil”. É um material fantástico, muito bem organizado e catalogado por ele mesmo.

O início do “desmanche” do estúdio que por 40 anos serviu de escritório para Millôr está agendado para os próximos dias. Julia e um caminhão do IMS vão estacionar na Rua Gomes Carneiro e retirar do local mais de sete mil itens que contam a história de Millôr. Ivan nega tristeza. Diz que acabaria tendo que tirar tudo dali de qualquer jeito:

— O estúdio fica num prédio residencial. Não poderia abrir um instituto aqui nem que eu quisesse. Então, desmontar esse ateliê, que foi tantas vezes retratado por meu pai, já estava no script. Faz parte do trabalho de um herdeiro.

Mas, para que esse capítulo da história do pai não termine de forma fria, sem cor, Ivan anuncia um evento:

— Depois que o IMS levar as obras e todo o arquivo pessoal de meu pai, ficarão para trás as centenas de livros dele. Vou convidar os amigos, Ziraldo e companhia, para vir aqui e escolher o que quiserem levar. Papai ficaria feliz com isso.

 Mônica Imbuzeiro

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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