Um título muito melhor

Quando eu tinha vinte e poucos anos e era (ou pensava que era) crítico de cinema, pensava de vez em quando que algumas das melhores críticas de filmes que eu já tinha lido eram as sátiras da revista “Mad”, aquelas arrasadoras matérias de abertura da revista onde, em seis ou oito páginas, eram expostas à luz do sol as incoerências, os clichês, as imitações, as limitações e as banalidades do roteiro, do elenco e da direção.  Claro que uma sátira da “Mad” não podia atingir a profundidade e a amplitude de uma crítica propriamente dita.  Mas em matéria de ir com o dedo à ferida e de mostrar a nudez do rei, não tinha similar.

O saite Better Book Titles (http://betterbooktitles.com/) faz algo parecido, só que numa cápsula minimalista.  Ele propõe um título diferente (e devastador) para um livro conhecido, muitas vezes denunciando de cara o principal defeito do livro, o clichê que lhe deu origem.  Ou (no caso de grandes livros, não merecedores disso) pelo menos uma alfinetada bem dada, que em nada compromete o livro mas lhe dá um novo ângulo; ou um comentário que faz rir quem conhece a história.

É interessante ver “O Colecionador”, o grande romance de estréia de John Fowles, ser rebatizado como “Se Você Ama Alguém, Sequestre-a e Deixe-a Morrer de Pneumonia”.  Ou ver o grande “Onde os Fracos Não Têm Vez” de Cormac MacCarthy ser chamado de “O Dinheiro Arrasa com Tudo à Minha Volta”.  O clássico “Arco-Íris da Gravidade” de Thomas Pynchon passa a ser chamado, apropriadamente, “Foguetes Me Dão Tesão”. O maciço e violento “2666” de Roberto Bolaño mantém o nome, mas ganha um subtítulo explicativo: “Contagem dos Cadáveres Menos a Contagem das Páginas”.

O saite não se limita a sugerir novo título. Num trabalho gráfico bem criativo, produz uma nova capa para o livro, muitas vezes incluindo-o em coleções famosas, numa releitura que chega às vezes a dar a impressão de um livro que existe mesmo.  Como na edição da Modern Classic para “Eu Odeio Ratos Mais do que Amo Minha Namorada” de George Orwell, ou a edição Penguin Classics do conhecido romance de Edmond Rostand “Sabe o que Dizem Sobre Caras com Narizes Grandes: Eles Estão Apaixonados em Segredo pela Mulher que Você Ama’.

Não dá pra não achar graça em “Virgem aos 107 Anos” de Stephanie Meyer, ou na autobiografia de Keith Richards sendo reintitulada “Guia de Sobrevivência para Zumbis”. Ou num livro qualquer de Danielle Steel, com seu indefectível design de letras prateadas em relevo e o título “Só Leio Livros Parecidos Com Este”.  É a arte da crítica literária, não através da análise, mas do epigrama ferino e da alusão venenosa, enriquecidos pela criatividade gráfica.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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