O que sumiu e o que voltou

Perdeu-se a arte de bater carteiras e desaprendemos a aplaudir sentados, mas está de volta o estrogonofe

Começou há algumas semanas, quando me gabei de ter sido um grande chutador de tampinhas, daquelas de refrigerante, soltas nas calçadas. Dias depois, um leitor perguntou se eu era capaz de dar o piparote com o sapato na borda da tampinha, fazê-la subir e matá-la no peito do pé. Humilhado, tive de confessar que não. E, agora, outro leitor, para meu opróbrio supremo, escreve para dizer que no peito do pé era fácil —ele queria ver era se o sujeito fazia, como ele, a tampinha pousar no lado do pé. Tudo isto porque observei que, por falta das próprias, ninguém mais chuta tampinhas pelas ruas.

Muita coisa deixou de existir por falta de matéria-prima. Por exemplo, ninguém mais escorrega em cascas de banana. Continua a chover, mas não se usam mais galochas. Ninguém mais cheira rapé ou sopra chicletes de bola. Ninguém mais usa boina, só boné, e, mesmo assim, ao contrário. Artigos de primeira necessidade como o pote de goma arábica, o mata-borrão e a espátula para abrir cartas deixaram de existir. Ninguém mais lambe selos para pregar no envelope. Eu próprio há anos não lambo um selo e não escrevo ou recebo uma carta.

Velhos hábitos desapareceram. Desaprendemos, por exemplo, a aplaudir sentados. Qualquer showzeco nota 3, se aplaudido, é hoje aplaudido de pé. Em breve, teremos de plantar bananeiras para premiar uma performance verdadeiramente genial. E perdeu-se de vez a arte de bater carteiras. Os atuais meliantes não se valem mais de dedos leves e hábeis para subtraí-las de nossos bolsos. Vão direto de trabuco no nariz, até porque, com o celular e o pix, já quase não se usam carteiras. .

Em compensação, coisas há muito dadas como extintas estão voltando espetacularmente. Uma delas é o bigodinho, fora de moda há uns 70 anos. Os garotos voltaram a jogar bafo com as figurinhas. E até o estrogonofe voltou.

Mas preocupante mesmo é a volta do nazismo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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