Uma fábula, uma ilha

Cercada de escarpados promontórios cor âmbar, a ilha de Larsen não é, o que poderia parecer à primeira vista, uma ilha desabitada. Tendo como base de sua economia a lã extraída da intensa e numerosa pecuária ovina, praticada ali desde os primeiros colonizadores, espalham-se pela grande ilha os incalculáveis rebanhos. Não é tão complexo assim imaginar, pois, o que seja, de Larsen, a paisagem.

Nos extensos campos onde a gramínea viceja constantemente aparada por ovelhas de todas as linhagens e tamanhos – das minúsculas scherer, o equivalente ovino dos cães chihuahua, às gigantes zanzibar, com o tamanho, e a soberba, dos pôneis selvagens, os rebanhos de Larsen é que conferiram à ilha uma singularidade.

O último relatório sobre ela, datado de uns dez anos atrás, introduziu um elemento de crueldade na até então pacífica paisagem: a assustadora proliferação de lobos, em Larsen. De modo que desconhecemos o destino atual da ilha. Relatos de piratas caribenhos, quase sempre fantasiosos, mas que acabam se propagando pelos mais distantes mares e continentes, revelam, contudo, que em Larsen há muitos anos não se vê uma ovelha sequer.

As derradeiras matilhas de lobos famintos vagam a ilha tomada pelo mato e a erva daninha, depois de devorarem todos os pastores, à caça agora das últimas ovelhas, justamente as mais difíceis de ser devoradas – as zanzibar, gigantes e ariscas, ainda maiores porque nunca mais tosqueadas, a corcovear feito enormes cabras bravias, nas escarpas de quase inacessíveis montanhas.

Por pura necessidade de sobrevivência desenvolveram o comportamento dos caprinos e chegam até mesmo ao cume dos arriscados promontórios, na sempre progressiva fuga aos lobos.

Sem saber que estes, de seu lado, já iniciaram o processo de autoextinção, devorando-se, entre si, não por malévolos, ou porque sejam lobos, predadores históricos, mas simplesmente porque não há mais nada com que matar a fome na quase deserta Larsen.

Acrescem os piratas que passaram rente aos promontórios cor de âmbar – e nunca temos certeza de que tudo não vá além da exuberante fantasia desses salteadores dos mares – que as ovelhas zanzibar é que devoram, agora, os lobos – a deambular, esquálidos e cambaios, pelos vales e montanhas da ilha de Larsen.

31|5|2009

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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