Vices e vícios

PARA QUE serve o vice-presidente da República? Data venia não serve para nada, a não ser para ele mesmo. O vice-presidente sequer exerce um cargo, exerce uma função, que assume de modo temporário quando o presidente viaja ou adoece, ou de modo definitivo quando o presidente renuncia, sofre impeachment ou morre. O vice é um morto vivo, que faz de seu mandato a constante alucinação do presidente, no risco de conspirar para derrubá-lo, a síndrome das republiquetas. A república brasileira começou com o vice conspirador, que se fez de morto para enterrar o titular; e conseguiu. Depois tivemos o longo período de vices ocultos, que hibernavam na sinecura. Os vices da ditadura militar sabiam seu lugar, pois assumiam com base no acordo definido pelo estado maior das forças armadas.

Na redemocratização, dois vices, o que primou pela correção; outro, exato o contrário: Itamar Franco cruzou os braços e deixou que o impeachment de Fernando Collor seguisse; foi mero espectador; Michel Temer, no segundo mandato de vice, aliou-se aos que derrubaram Dilma Rousseff, a ponto de buscar apoio entre os militares, deixando de afirmar o primado do civil no institucional. Jair Bolsonaro não aprendeu com Floriano Peixoto, mas como votou contra Dilma sem aprender com Michel Temer. Ficou nas lições da apostila da Escola Militar e acreditou quem um vice da caserna daria segurança a seu mandato. Mau aluno e pior brasileiro não sabia que Deodoro não resistiu à conspiração surda de Floriano. Aprendeu na carne que Lula/Dilma deram carona ao escorpião.

Não tem um dia em que o vice Hamilton Mourão não jogue pedras na vidraça de Bolsonaro. Felizmente para Bolsonaro e para os brasileiros, o general Mourão não comandou sequer uma guerra de travesseiros. Bolsonaro e Mourão se parecem, pelo menos. São da mesma geração da escola militar e pensam o Brasil no quadro da Guerra Fria, extinta há quarenta anos: o Brasil à beira do golpe comunista, a ser deflagrado pela oposição – que por falta de imaginação tem um partido com bandeira vermelha. Mourão e Bolsonaro pensam primeiro apenas nos militares do e no Brasil. Mourão e Bolsonaro embarcaram na farsa patética do programa de alavancagem sexual dos militares, além do fisiologismo do leite condensado, do filé mignon e do uísque bancados pelo Tesouro.

Na semana passada Mourão brindou-nos com a mofa ofensiva, cruel e antidemocrática sobre os mortos na repressão da ditadura. Rindo, cinicamente sacou um falso brilho ao minimizar a tragédia da represssão da ditadura: “ora, os caras estão todos mortos”. Sem dúvida, mas ao contrário do pretende Hamilton Mourão, esses mortos falam. Fechando a premissa, nosso vice Mourão revela quando não é inútil, o vice é pernicioso. Aliás, sua utilidade só se efetiva na inutilidade.

A ditadura proibiu o vice eleito em chapa própria para obter a unidade de conduta com a eleição de titular e vice em chapa única. Era o castigo e o antídoto a João Goulart. Não contavam com o golpe de Michel Temer nem com as palhaçadas de Hamilton Mourão.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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