Vizinho do Canecão

Ruy Castro – Folha de São Paulo

RIO DE JANEIRO – Em 2010, quando a Justiça encerrou um litígio de décadas, fechando o Canecão e o devolvendo à Universidade Federal do Rio de Janeiro, proprietária do terreno, a pergunta era: o que a UFRJ quer fazer ali para lutar tanto por aquele espaço? E a resposta foi que, por melhores as intenções da universidade, esta não tinha nada para botar no lugar.

Conheci bem o Canecão. Como seu vizinho em outro endereço ilustre, o Solar da Fossa, em 1967, segui sua construção desde os primeiros tijolos —alguns dos quais desviei para improvisar uma estante, juntamente com duas ripas compridas de madeira que haviam sobrado de sua obra. O Canecão era, então, apenas uma cervejaria gigante, daí o nome, animada por uma orquestra da casa, a Banda do Canecão, que tocava para dançar. Comportava 2.000 pessoas, com o que esvaziou de um jato as pequenas boates do Leme e do Lido, ali do lado. Ao contrário destas, ele era barato, acessível e dispensava o terno e o uísque.

Sua encarnação como casa de shows só começou em 1969, quando Maysa apresentou-se durante meses. Dali, firmou-se como um palco nobre a preços populares. Tom, Vinicius, Toquinho e Miúcha, juntos, ficaram em cartaz no Canecão por 1977 inteiro, acredita? E, como eles, todos os grandes nomes sustentaram longas temporadas em suas instalações.

Longas; depois, curtas e, por fim, shows de uma noite só, com o artista tendo de pagar para se apresentar, como passou a ser. Mas era melhor do que tê-lo fechado.

Agora, parece, o Canecão tem reais chances de reabrir. Um acordo com a UFRJ pode resultar num prédio comercial a ser explorado por uma empresa, sobrando espaço para as atividades da universidade e trazendo de volta a casa de espetáculos. Se isso acontecer, prometo devolver os tijolos e ripas que lhe tomei emprestado há 50 anos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Sem categoria e marcada com a tag . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.