Zé da Silva

Meus vivos-mortos estão perambulando pelas ruas. Ontem mesmo vi um, bem vestido, mochila nas costas, atravessando a avenida e arrastando um colchão velho e um cobertor. Procurava um buraco na selva da cidade para se esconder do que é impossível – os próprios demônios.

Hoje vi outro, perto da favela, na avenida dos carrões reluzentes. Sinal vermelho, ia pedir uma moeda para quem pudesse, mas antes de sair do canteiro, estacou, virou-se e vomitou algo esverdeado, escuro, talvez misturado com sangue. Limpou a boca e foi pedir o trocado. Para sair dali e buscar as pedras que aliviam a dor que ele nem sabe que sente. A calça jeans era uma sujeira só. O rosto deformado. Teria dentes? Meus vivos-mortos estão em todas parte. Alguns olham com dó.

Outros têm nojo. Outros ainda os eliminam a tiros, fogo. Olho a paisagem e lembro que estive perto disso. Bem perto. A um passo de abandonar tudo para fugir do que não dá para fugir. A dor indescritível. O horror diário.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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