Zuzu Angel estava de volta ao Rio. Vinha de uma viagem de pesquisas: estivera em Nova York e Paris para assistir a desfiles das últimas coleções de alta-costura e prêt-à-porter. O Globo não perdeu tempo e a convidou para uma entrevista, publicada no dia 23 de maio de 1970 no suplemento feminino Ela.
A primeira pergunta era clássica. O jornal queria saber de Zuzu sobre os começos da carreira. Provavelmente esperava uma ou duas frases resumindo os primórdios como costureira no final dos anos 1950, quando ficou conhecida como Zuzu Saias — trabalhava em um ateliê improvisado no apartamento onde morava com a família, na rua Barão da Torre, em Ipanema. A resposta que O Globo ouviu, porém, não correspondeu a nenhuma das expectativas. “Como foi o início?”, perguntou o jornal. Zuzu foi direto ao ponto. Ela, que sabia bem do que estava falando, declarou: “Eu estou sempre iniciando”.
A frase é curta, mas emblemática. Zuzu era uma mulher de inícios e agia para lançar movimentos em múltiplas frentes, da moda à militância política. Ela compreendia, em seu íntimo, que só poderia realizar começos e pôr em prática algo novo no mundo se fosse livre. Insistia nessa condição, embora vivesse em um país e dentro de um contexto que cerceavam suas liberdades de ação.
A trajetória de Zuzu Angel contribui para entendermos um país que ainda nos recusamos a ver
Cultural e politicamente interessada no Brasil, Zuzu trabalhou duro para criar o que via como uma genuína identidade brasileira na moda, capaz de legitimar o mercado e a criação nacionais. Enxergava a roupa além da roupa, conforme explica o estilista Ronaldo Fraga, e em nenhuma ocasião essa perspectiva é mais evidente do que em setembro de 1971. Após o desaparecimento de Stuart, seu filho mais velho, Zuzu aproveitou o lançamento de uma coleção na casa do cônsul brasileiro em Nova York para realizar o primeiro desfile de moda abertamente político do mundo. Usou a costura como instrumento de denúncia contra os militares.