Cale-se, presidente

Zé Beto já disse: se, ao abrir-se uma geladeira, acender uma luz, Lula começa a falar. Meu amigo Dallagassa, ex-petista de carteirinha, foi além e, invocando o rei da Espanha – que, em reunião da cúpula Íbero-Americana, no Chile, indagou do presidente Chavez, da Venezuela, “por qué no te callas?” –, acha que precisamos urgentemente de alguém que mande o companheiro calar a boca.

Apresento-me.

Em linhas gerais, o Lula 3 começou bem: cancelou o decreto bolsonarista de liberação de armas, relançou e ampliou o Bolsa Família, determinou a reestruturação do Cadastro Único, recriou o Minha casa Minha Vida, pôs fim ao genocídio yanomami, peitou os militares, enfrentou uma tentativa de golpe e está refundando o Mais Médicos. Mas está falando demais. E, como é sabido, quem fala demais, acaba dizendo besteira.

Começou com a briga estúpida com o presidente do Banco Central pela manutenção elevada da taxa Selic. Depois, mandou-nos esquecer dos livros de economia. Agora, mirou a metralhadora verborrágica no ex-juiz e atual senador Sérgio Moro. Já havia dito a besteira de que a operação Lava-Jato fora orquestrada em conjunto com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para destruir empreiteiras brasileiras. Seguiu dando uma de Bolsonaro e, alheio à liturgia do cargo que ocupa, lançou publicamente um palavrão em relação ao ex-juiz Moro.

Como se não bastasse, sugeriu que a ameaça de sequestro e morte de Moro, barrada pela Polícia Federal, não passou de uma “armação” do ex-juiz, em conluio com o PCC. Tudo à moda bolsonariana, isto é, com total ausência de provas. Aí, mirou em Moro, mas atingiu a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o próprio governo, através do Ministério da Justiça.

E, assim, foi obrigado a ouvir a indagação de Moro: “O senhor não tem decência?” E ainda: “Se acontecer alguma coisa com a minha família, a responsabilidade está nas costas deste presidente da República”.

Até o ora deputado federal Deltan Dallagnol veio a público garantir que “Lula age de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, o que configura crime de responsabilidade”.

Tudo desnecessário. Um desgaste a que Luiz Inácio não precisava estar se submetendo, se controlasse a língua.

Eu, que não sou lulista e muito menos petista, elogiei o comportamento da Lula durante os 580 dias de prisão. Achei que ele acatou a pena, manteve-se silente, não agitou os apoiadores, confiou na persistência do advogado de penteado lambidinho. Por que, então, descarregar a mágoa agora, do alto do poder? Essas coisas são perigosas, companheiro. Pode dar broncopneumonia.

Já há muito problema pela frente. Para que criar novos? Recupere a saúde e remarque a viagem para a China, presidente. E aprenda com a sabedoria milenar dos chineses. Havia lá, por exemplo, um sujeito chamado Confúcio – pergunte para a Janja quem foi ele –, que dizia que “é difícil ser governante, e não é fácil ser governado”. E concluía: “Se os chefes da família e seus filhos entenderem que ambas as partes precisam ceder, a prosperidade chega”.

É dele, também, a lição que, no presente caso, calha à fiveleta:

“Aja antes de falar e, portanto, fale de acordo com os seus atos. Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão. Coloque a lealdade e a confiança acima de qualquer coisa; não te alies aos moralmente inferiores; não receies corrigir teus erros. Não corrigir nossas faltas é o mesmo que cometer novos erros”.

Outra pérola chinesa: “Nunca é tão fácil perder-se como quando se julga conhecer o caminho. Jamais se desespere em meio as sombrias aflições de sua vida, pois das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda”.

Mas não precisa ir até a China para aprender isso.

P.S. – Só para constar: quem assinou a sentença condenatória de Lula a 12 anos e 11 meses de prisão (pena depois ampliada na segunda instância) por corrupção e lavagem de dinheiro não foi Sérgio Moro, mas a juíza Gabriela Hardt, então substituta na Vara Federal de Curitiba responsável pela Lava-Jato.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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