Craques sim, uai!

Há 35 anos, esse gênio mineiro das letras mudou de plano. Mas, como os mitos, não morre. Está vivo em cada crônica ou poema que resiste ao tempo. Tão presente quanto o saboroso pão de queijo na nossa vida

Quarta-feira 17 de agosto foi também marcada por duas efemérides das mais caras ao mineiro: os 35 anos da morte do poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, e o Dia do pão de queijo. Duas instituições entre as preferidas dos habitantes ou dos nascidos nas Alterosas.

O pão de queijo, cuja origem remontaria ao Ciclo do Ouro, nascido do improviso, é um dos símbolos mais expressivos da mineiridade. Assim como o “trem”, o “uai” e o Pelé. Bom para comer a qualquer hora, faz parte desde sempre da nossa dieta. Eu mesmo creio tê-lo “defendido” bem quando vendia a iguaria na redação do Jornal do Brasil no fim dos anos 1980 e início dos 1990.

Minha mulher, a saudosa Beth, fazia um ótimo pão de queijo. E por essa época vendia a massa pronta, fornecendo-a por encomenda a amigos e até a algumas casas comerciais. Para ajudar a divulgar o produto, uma vez por semana, de preferência às sextas-feiras, eu enchia uma mochila com dezenas de unidades assadas, que vendia entre os colegas do JB. Chegava-se a formar uma fila em frente a minha mesa. Alguns me pediam que lhes anotasse o nome para acertar o pagamento depois. Dava para salvar nosso chopinho do fim de semana. Interrompemos a prática quando nossa filha, Juliana, nasceu e, um ano depois, nos mudamos para São Paulo.

A outra instituição ‒ o grande, o imenso, o enorme Drummond ‒, nascida em Itabira a 31 de outubro de 1902, também prestou suas homenagens ao ilustre coestaduano.

Tenho canivete Rodger, geleia, pão de queijo para comer quando quiser”, declamou o poeta no livro Boitempo, em que discorre sobre a vida simples de sua infância.

“Passa o tabuleiro de quitanda: é pão de queijo é rosca é brevidade”, abriu assim o poema Tabuleiro.

Como o assunto mais habitual desta coluna é o futebol, Drummond foi cracaço também nesse campo. Ao mais popular dos esportes dedicou inúmeras crônicas e poemas, principalmente no Correio da Manhã e no JB. Tanto que, em 2002, selecionados pelos netos Luis Mauricio e Pedro Augusto Graña Drummond, compuseram o ótimo livro Quando é dia de futebol.

Eles nos revelam um Drummond atento aos vários aspectos do universo futebolístico, observados pelo escritor em Copas do Mundo e campeonatos, em gênios da bola como Pelé e Garrincha, em lances fortuitos e nas torcidas. Um dos textos presentes no livro é o emocionante Perder, ganhar, viver, publicado no JB em 7 de julho de 1982, dois dias após a traumática eliminação do Brasil pela Itália no Mundial da Espanha.

“Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria…”, era a abertura da crônica. Que em outro trecho abordava de passagem as primeiras eleições diretas para governadores que se aproximavam.

“Vi a decepção controlada do presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral: vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições…”

Ele procurava mostrar algum aspecto positivo que a tragédia do Sarriá poderia provocar.

“Perder implica remoção de detritos: começar de novo. Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso?…”

 E fez questão até de encerrar com uma mensagem de fé no futuro.

“A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos. E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano está na segunda metade?…”

Há 35 anos, esse gênio mineiro das letras mudou de plano. Mas, como os mitos, não morre. Está vivo em cada crônica ou poema que resiste ao tempo. Tão presente quanto o saboroso pão de queijo na nossa vida.

Cláudio Arreguy 

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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