Em busca de Godard por Paris

Hoje não é difícil localizar as ruas onde ele filmou tantas cenas de seus clássicos dos anos 60

Há quem vá a Paris pelos museus, outros pelos vinhos e ainda outros pelos escargots. Mas há um tipo de turista, talvez merecedor de cuidados psiquiátricos, capaz de ir a Paris em busca de Jean-Luc Godard, o cineasta da Nouvelle Vague que foi para nós, garotos dos anos 60, o que devem ter sido Rousseau no século 18 e Baudelaire no 19. Godard morreu em 2022, por suicídio assistido, aos 91 anos. Os milhões de Gauloises que fumou em vida devem tê-lo induzido à morte tão precoce.

Quando digo em busca de Godard, refiro-me às ruas de Paris que ele frequentou nos grandes tempos e onde filmou cenas de seus clássicos. Hoje, com os muitos livros sobre sua obra, isso já não é difícil. Godard morava, por exemplo, na rue Saint-Jacques, nº 17, perto da Sorbonne, num último andar com vista para o Sena. E todos sabem que as sequências de Jean Seberg em “Acossado” (1959), vendendo o Herald Tribune na rua e caminhando ao lado de Jean-Paul Belmondo, foram filmadas durante vários dias na avenida dos Champs Élysées. Mas onde nos Champs Élysées?

Na altura do nº 146, onde, no 2º andar, ficava a redação da revista Cahiers du Cinéma, da qual Godard era cria e colaborador. Quebrava-lhe bem o galho, já que, à noite, ele podia guardar nela suas câmeras e traquitanas. E que rua é aquela na sequência final do filme, em que Belmondo, baleado, corre cambaleando e morre ali mesmo no asfalto? É uma rua curtinha, a Campagne-Prémière, entre os bulevares Montparnasse e Raspail.

Por onde Anna Karina tanto caminha em “Uma Mulher é uma Mulher” (1961)? Pelos bulevares Saint-Martin e Saint-Dénis. E onde, na Paris de 1965, Godard encontrou aquele hotel futurista a que chega Eddie Constantine no começo de “Alphaville”? É o tradicional Grand Hotel, na rua Scribe, nº 2, que Godard disfarçou filmando à noite e com refletores especiais. E muito mais.

O turista merecedor de cuidados psiquiátricos sou eu.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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