Farofa é uma glória nacional e pobres são as nações que a desconhecem

Tenho pena da culinária francesa, que prepara até caramujo mas ignora essa iguaria tão bem cultivada no Brasil

Cá estou eu, almoçando um delicioso peru envelhecido por 20 dias na geladeira envolto em farofa de Natal —esse delicioso conglomerado de farinha, manteiga, bacon, suco de peru e tâmara. E nesse momento tenho pena dos estrangeiros, que desconhecem a farofa e comemoram esse arremedo, que é o Natal sem farofa.

A farofa é coisa nossa. E acolhe tudo. Não conhece restrição. Abraça a manteiga, recebe o alho, adora banana, vai bem com ovos, e também bacon, miúdos e, por que não, abacaxi. Aqui em casa, ralamos
cenoura e beterraba, porque não há legume que uma criança negue —desde que esteja envolto em farofa.

Todos os nutrientes que a minha filha consome eu devo à farofa.

A farofa não quer ser prato principal. Aceita sua coadjuvância. Ninguém, em sã consciência, almoça uma farofa. Poucas pessoas, no entanto, almoçam sem farofa. Sempre cai bem. Experimente na salada, ou na sopa, e nunca mais recorrerás ao crouton.

Há quem louve a culinária francesa. Tenho pena do glutão francófono. O que dizer de uma população que come até caramujo mas desconhece a farofa? É preciso falar a verdade: o tal do boeuf bourguignon não passa de um picadinho sem farofa. Pior: sem farofa nem banana.

Ou seja: sem tudo aquilo que faz um picadinho valer a pena.

Os americanos também consomem nosso tradicional frango de padaria, aquele que gira em televisões de cachorro e exala o melhor cheiro do mundo —chamam de rotisserie chicken. Mas nem tente pedir o saquinho amarelo. Não saberão nem do que se trata. Sim, eles comem frango de padaria órfão de farofa.

soul food americana também cozinha feijões pretos com porco. Ou seja: eles têm feijoada, só que sem farofa. Arrisco dizer que toda a culinária do mundo não passa de uma versão piorada da nossa, porque sem farofa.

A farofa não morre nunca. Na geladeira, não somente sobrevive por semanas como também conserva os alimentos que envolve. Atenção: essa afirmação não tem o menor embasamento científico. Não me responsabilizo por eventuais mortes por intoxicação, mas tenho a impressão de que, enquanto uma carne na geladeira dura alguns dias, a mesma carne picadinha no meio da farofa dura pra sempre.

“Glória à farofa, à cachaça, às baleias”, escreveu Aldir.

“Glória a todas as lutas inglórias, que através da nossa história, não esquecemos jamais.” É preciso saudar a farofa.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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