Nosostros y los hermanos

Leio nos jornais e blogues (cada vez mais blogues e cada vez menos jornais) que aquele, cujo nome não merece ser escrito, recusou a ajuda humanitária da Argentina para os mais de 650 mil baianos que estão debaixo d´água.

Até nisso o Bozo (Bozo pode) não é original e demonstra uma ignorância cavalar, com as devidas desculpas aos equinos. Pensa, aquele cujo nome não merece ser escrito, que o peronista Alberto Fernández é de esquerda. Sabe nada o energúmeno. Jorge Luis Borges, politicamente um conservador nos costumes e na política, sempre disse, enquanto vivo, que o “peronismo nunca teve uma ideologia, quando precisou de uma, escolheu o fascismo”.

Na verdade, aquele que nos empesta, ignora solenemente que “nosostros y los hermanos” sempre nos amamos e nos odiamos com igual fervor desde os tempos em que espanhóis e portugueses chegaram nestas bandas. Herdamos o amor-ódio dos nossos colonizadores e quando Dom Pedro I proclamou a Independência e os caudilhos das Províncias Unidas do Rio de la Plata fundaram a Argentina, a rivalidade só aumentou. Os jornais de lá nos chamavam de “macaquitos” e nós respondíamos que todos eles eram “milongueiros”. Faz muito sucesso, até hoje, na Pátria Amada, a assertiva, de autoria ignorada, de que os argentinos são um bando de italianos que falam castelhano e pensam que são ingleses”. Outra: “Compre um argentino pelo dobro do que ele vale e venda pela metade do que ele pensa que vale e você ficará milionário”.

Na década de 40, do século passado, por exemplo, a coisa ficou feia, começando, e terminando, pelo futebol. A seleção brasileira alinhava no ataque Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair Rosa Pinto e Ademir (que era deslocado da centroavância para a ponta esquerda). De cada dez partidas os argentinos ganhavam sete. Segundo Zizinho, o “óbvio ululante” era que o “time deles era melhor”. Na frente jogavam com Boyé, Moreno, Pedernera, Labruña e Lostau (só Boyé não era do River Plate, “La Máquina”). Todos os analistas esportivos da época afirmavam que a Argentina era a grande favorita para conquistar as Copas do Mundo de 1942 e 1946, não realizadas em virtude da 2ª Guerra.

O Di Stéfano (para os argentinos mais antigos era melhor que Maradona) ficava na suplência, dizem os “hermanos”, com incontido orgulho. Até hoje, tendo em vista a diferença havida nos anos 40, a seleção argentina tem mais vitórias que a brasileira nos confrontos entre elas. Favor não confundir o Alfredo Di Stéfano (o jogador) com o Rogério Distéfano (o blogueiro). Tudo não passou de implicância com os argentinos/italianos por parte do Oficial do Registro Civil de São João do Triunfo. O Tabelião achou que o Di separado do Stéfano era coisa de “viado” e tascou Rogério Distéfano.

No final dos anos 40 do século passado, os colombianos fundaram uma Liga Pirata e levaram, sem pagar um mísero peso para os clubes argentinos e uruguaios, todos os titulares, reservas e reservas dos reservas das seleções argentina e uruguaia, e os espalharam por todos os clubes da tal Liga. Até o Heleno de Freitas parou lá e conhecendo a cocaína e com uma sífilis nunca curada morreu, anos depois, num hospício em Barbacena.

Perón, o ditador argentino, com a fuga em massa dos craques argentinos para a Colômbia, proibiu a Associação Argentina de Futebol de sequer disputar as eliminatórias para a Copa de 1950. Não queria fazer fiasco, logo no Brasil. Aliás quem fez fiasco foi a seleção brasileira perdendo a final para o Uruguai, cujos jogadores tinham voltado da Colômbia para jogar a Copa pela Pátria e pela Celeste Olímpica. Importa frisar, ainda, que na década de 40, a seleção uruguaia venceu muito mais jogos do que perdeu para a seleção brasileira. Anos mais tarde o fiasco foi ainda maior, os 7 x 1 contra a Alemanha. Dos grandes do futebol, o único que não ganhou uma Copa do Mundo em casa foi o Brasil, e olha que teve duas chances. Até o medíocre “English Team” não deixou escapar o caneco em 1966.

Na política então é de se anotar que Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón nunca se encontraram pessoalmente. Isso que os dois eram os “pais dos pobres e dos descamisados”. Com uma fronteira de 1.236 quilômetros por rios e apenas 25 km por terra, Brasil e Argentina construíram pontes a conta gotas. Até recentemente só existiam duas: Uruguaiana-Paso de Los Libres, Foz do Iguaçu-Puerto Iguazú. Apesar de nascido em São Borja, Getúlio Vargas nunca permitiu uma ponte entre a cidade natal e San Tomé na Argentina. Com João Goulart também não foi possível a ponte tão almejada pelos conterrâneos de ambos. Só há pouco tempo fizeram a tal ponte ligando as duas cidades. No Paraná, quem vai a Barracão tem que pegar um barco para chegar em Bernardo de Yrigóen. Ponte ligando as duas cidades, nem pensar.

Aliás, falando em Foz, quando o Brasil acertou com o Paraguai a construção de Itaipu, os argentinos tremeram nas bases. Diziam, que em caso de guerra, o Brasil abriria as comportas e grande parte da Argentina seria inundada. Tem argentino que até hoje pensa assim (por favor, não contem para o Bozo; vai que ele acha uma ótima ideia).

Voltando ao futebol, chegou, finalmente, o dia em que a FIFA, que tinha fechado os olhos para a pirataria colombiana, mandou acabar com a putaria. No outro dia, Santiago Bernabéu, eterno presidente do Real Madrid, aterrissou em Bogotá e contratou Di Stéfano a peso de ouro. Di Stéfano foi o maior e melhor jogador da história do Real Madrid, tanto que, muitas décadas depois de parar de jogar, foi nomeado Presidente de Honra do citado clube. Na sua mansão em Madri, mandou edificar uma gigantesca escultura duma bola no jardim e na base em bronze ordenou que escrevessem: “A la vieja, por todo lo que me diste”. Apesar de ter jogado pelas seleções da Argentina, da Colômbia e da Espanha (na época a FIFA permitia), Di Stéfano nunca atuou numa Copa do Mundo. Quando na Argentina, a Copa foi interrompida, conforme dito acima.

A Colômbia, em virtude da Liga Pirata, não podia participar de Copas e pela Espanha, machucado, não entrou em campo no Chile em 1962. Aposentado como jogador se tornou treinador, realizando a façanha de ser campeão argentino pelo River Plate e pelo Boca Juniors.

O Real Madrid, depois de contratar Di Stéfano, se tornou o clube mais poderoso da Europa, conquistando inúmeras Copas dos Campeões (antigo nome da Champions League). O ataque era formidável: Canário (que veio ao Ameriquinha do Rio), Del Sol, Di Stéfano, Puskas e Gento. Mais tarde, o grande craque da França, Kopa, entrou no lugar de Canário.

Reza a lenda que depois de perder um amistoso para o Vasco da Gama em Paris, o Real Madrid não mais aceitou jogar contra clubes brasileiros. Empresários de todo o mundo tentavam marcar um Santos e Real Madrid em qualquer cidade do mundo. Ofereciam montanhas de dólares para os dois clubes. O Real não aceitava, dizia que não tinha datas disponíveis. Tudo mentira, não queriam, é óbvio, enfrentar Dorval (falecido na semana passada), Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.

Mas chegou o dia. No início dos anos 60 do século passado, Brasil já campeão do mundo em 1958, o hoje moribundo Cruzeiro de Porto Alegre criou coragem, embarcou num voo da Varig até o Rio de Janeiro e daí, pela Iberia, aterrissou no Aeroporto de Barrajas, em Madri. Os jornalistas espanhóis ficaram sabendo e foram até o aeroporto. Lá receberam a informação de que o Cruzeirinho iria iniciar uma excursão pela Europa e queria jogar, no domingo, com o Real Madrid. Santiago Bernabéu achou graça e pensou: é um timinho de Porto Alegre, sul do Brasil. Não tem nenhum craque e perde todo o ano para o Internacional e o Grêmio. Vamos jogar e tocar uma goleada nesses brasileiros metidos, que estão se achando.

Com muitos curiosos pelo desafio aceito por Santiago Bernabéu, o Estádio Santiago Bernabéu encheu de gente para assistir o massacre do Real Madrid contra o timinho brasileiro. Alinhava na zaga central do Cruzeirinho um negro de 2 metros de altura, 1 de largura e 120 quilos, cuja alcunha era Waltão. Aos 2 minutos do primeiro tempo, Kopa lança Di Stéfano que tenta driblar Waltão. Waltão, percebendo que iria ser driblado e Di Stéfano ficar cara a cara com o goleiro, entra com tudo e parte Di Stéfano ao meio. Cinco minutos depois, já refeito do atropelamento, Di Stéfano encara Waltão e dispara: “Mira pibe. Yo soy Di Stéfano, del Madrid”. Waltão dá de ombros e responde: “Grande merda, eu sou o Waltão, de Canoas”. Di Stéfano resolve ir armar o jogo no meio de campo, bem longe do Waltão, e o amistoso termina zero a zero e toda a Europa quis assistir o Cruzeiro de Porto Alegre, que fez mais quinze jogos na excursão e só perdeu três.

Quando Santiago Bernabéu, que movimentou, em valores de hoje, bilhões de dólares, com a aquisição dos maiores craques do futebol do mundo para o seu Real Madrid, morreu houve uma grande surpresa em toda a Espanha. Morava de aluguel e seu único bem a ser inventariado era um barco a remo, que usava para pescar, quando não estava trabalhando no Estádio Santiago Bernabéu. O único jogador que desejou e não conseguiu contratar foi Eusébio, o Pantera Negra. O Benfica consultou o ditador Salazar e recebeu como resposta que Eusébio jamais poderia sair de Portugal. Depois o bilionário Agnelli, dono da Juventus de Turim, tentou e recebeu a mesma resposta.

Por fim, está na hora de parar com a palhaçada. Que se fodam os comentaristas esportivos que pensam o contrário e nos enchem o saco com Messi, Cristiano Ronaldo e a triste figura do Neymar. O melhor jogador de futebol do mundo foi, e sempre será, Pelé. Os maiores foram Garrincha e Maradona. Os dois, na verdade, não eram jogadores de futebol, mas sim Anjos vindos do Céu. Foram os únicos, desde 1930, que ganharam, pouco importa os coadjuvantes, Copas do Mundo sozinhos. Garrincha em 1962 (quando Didi & Cia Ltda já eram 4 anos mais velhos) e Maradona em 1986 (confesso que agora só lembro do Burruchaga). Até gol de cabeça fizeram, se bem que o do Maradona foi com a mão, de Deus. Os dois Anjos, ao viver junto aos humanos, caíram em tentação. Garrincha morreu pelo excesso de álcool e Maradona pela cocaína. Deus os tenha e um Feliz 2022 ao Célio Heitor Guimarães, meu editor e colocador de vírgulas, ao Zé Beto, ao Solda e também aos leitores dos blogues, extensivo a todos os familiares.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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