O contraespião e a sordidez das sentenças

A revista Forum divulga trecho de conversa entre o então juiz Sérgio Moro e o empresário Tony Garcia, que se declara escolhido pelo magistrado, hoje senador, como seu infiltrado para colher provas contra investigados na Lava Jato. Em entrevista ao site Brasil 247, Garcia informara que Moro concedeu-lhe acompanhamento da PF e tecnologia para a espionagem (o material está no You Tube). Há o lado cômico, de uma ironia trágica, de o infiltrado infiltrar-se junto ao juiz para gravar as conversas que manteve com este. No humor rasteiro do Paraná, Garcia funcionou como o esperto que se faz de milho para comer o cavalo, ou, na outra versão, que finge estar morto para comer o coveiro. O espião de Moro revelou-se eficiente contraespião.

Em ambiente de ética pública, os poucos parágrafos da conversa seriam a sentença terminativa do mandato de Sérgio Moro. Mas sejamos claros: não pelo que Moro fez usando Garcia, pois que na esfera em que atuavam ninguém é santo; sim porque Moro cometeu a mais grave das falhas republicanas, a de deixar vestígios e registro do comportamento antiético. O que ele fez a maioria dos políticos fazem, fizeram e continuarão a fazer, com maior ou menor extensão e intenção. Porém a maioria respeita as aparências, a versão política da hipocrisia que, na definição de La Rochefoucauld, é a homenagem que na vida civilizada o “vício presta à virtude.” No regime republicano, mesmo as mais torpes patifarias têm de se resguardar, no segredo.

O juiz da Lava Jato estava enfatuado pelo poder, cego pela ambição, para se permitir o abuso positivado na gravação de seu infiltrado. A conversa gravada por Tony Garcia revela também a ingenuidade de Moro. Se a gravação passar pela perícia, como está na moda, revelará um Sérgio Moro que, no Primeiro Reich, faria o chanceler Bismarck revirar-se na cova: a suprema imprudência de desvendar aos alemães o mistério sórdido de como eram produzidas as salsichas e as leis. Moro não preservou as sentenças da sordidez oculta na produção das leis e das salsichas – na Alemanha da época garantias da estabilidade do regime. A gravação enterra o mandato do senador Sérgio Moro? Uma pergunta cuja resposta acabaremos por saber em oito anos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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