Pseudocampesinato tecnológico e urbanismo campestre

Levamos para as casas no campo a tecnologia da cidade. E para a cidade trazemos as pretensas delícias do campo. Vivemos o conflito. Queremos expiar uma culpa ancestral: a da migração desenfreada para a urbe, onde a luz elétrica atraía moscas, mariposas, abelhas e pessoas. O lampião a querosene faz uma fumaça nostálgica que embevece os corações mais renhidamente impregnados de fumaça de automóvel. Encontramos garrafas de plástico no meio da mais verde relva e, no centro da cidade, pessoas compram singelos adornos rurais para seus apartamentos.

Um carro passa com buzina imitando berrante. No pasto, no rebolo da bosta da vaca, baila um maço vazio de caros cigarros. Um ovo caipira é festejado na mais rica mesa citadina. Essas imagens ambulantes montam o espetáculo da dissipação com enredo baseado na cisão consumada do homem, correspondente à abstração generalizada da sociedade atual. Multifacetada, estilhaçada e hipnotizada.

O paraíso ilusório é construído em forma de mosaico tanto na cidade quanto no campo. A mercadoria impera. O homem do campo é o mesmo dos tempos imemoriais. Porém, um aparelho de som de última geração o joga no liquidificador do consumo absolutamente separado do seu mundo. O homem da cidade é tecnológico de nascença. Nasceu com telefone, com televisão e micro. Mas ornamenta sua cabeça com chapéu de couro e calça botas mostrando que é a mercadoria seu patrão e senhor. A revolução da mercadoria é a mais forte manifestação atual da sociedade. Não há nada literocultural, nada filosófico, nada sociológico em evidência. Há apenas garrafas vazias boiando em rios de merda, entupindo bueiros, provocando enchentes.

(Comentário: quando o poder da unificação mercadológica habita todas as regiões, o nivelamento acontece pela parte mais baixa. Chegaremos à igualdade pela força do que nos quer mais desiguais: o capitalismo.)

*Rui Werneck de Capistrano é assim mesmo, não adianta

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© Jan Saudek

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Mural da História – 1980

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Haikara

Claudio Seto (1944|2008) – © Raquel Santana

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O novo Brasil

Chegou a vez dos srs. Luva de Pedreiro, Cara de Sapato, Gil do Vigor, Yuri do Paredão e outros notáveis

Ibrahim Sued, que era pobre e ficou rico com sua coluna social, dizia que sua dinastia começava com ele. Isso de fato aconteceu, mas, quando Ibrahim morreu, em 1995, sua dinastia morreu com ele. Por sorte, o Brasil tinha dinastias mais sólidas, com aqueles nomes compostos que todos sabiam pertencer aos capitães da indústria, das finanças ou do society, como os Monteiro de Carvalho, os Peixoto de Castro, os Mello Alves, os Guilherme da Silveira, os Orleans e Bragança. Mas elas também sumiram.

Os colunistas de hoje estão mais atentos aos líderes das possíveis novas dinastias, todos já com admiradores na casa dos milhões. Vide o sr. Iran Luva de Pedreiro, youtuber e influenciador internacional, na flor dos seus 21 anos; o sr. Antonio Cara de Sapato, ex-BBB e ex-lutador de MMA; e o sr. Gil do Vigor, também ex-BBB, criador da dança do tchaki-tchaki e autor do livro “Tem que Vigorar! Como me Aceitei, Venci na Vida e Realizei Meus Sonhos”. Dizem que o sr. Vigor tem aspirações à Presidência.

Políticos há vários notáveis. O sr. Yuri do Paredão, no noticiário há dias ao ser convidado a desligar-se do PL por ter feito um “L” pelo presidente Lula. O sr. Emerson Boca Aberta, cujo filho, sr. Boca Aberta Jr., é também político. Há pouco, o sr. Boca Aberta se destacou por sua querela física com o deputado sr. Arthur Mamãe Falei, pelas ruas de Londrina. E, claro, o sr. André Fufuca, dito Fufuquinha, filho do sr. Fufuca Dantas, atual prefeito de Alto Alegre do Pindaré (MA). O sr. Fufuca é um forte ministeriável de Lula.

Promissora dinastia é a da sra. Dani do Waguinho, ex-ministra do Turismo e casada com o sr. Waguinho, prefeito de Belford Roxo (RJ), que tem como secretária da Cidadania sua irmã Fabiana do Waguinho. E não se pode esquecer, claro, o governador do Paraná, sr. Ratinho Jr., filho do sr. Ratinho, estimado animador de auditório.

É o novo Brasil!

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Bom dia, do Plural Curitiba

Hoje, sexta, 4 de agosto. Amanhã estreia a peça de improvisação Improflix no Guairinha. Parece bem bacana.

Justiça só para marmanjos

O TJ paranaense é um dos campeões de disparidade de gênero no país. São 20 mulheres para mais de 100 marmanjos. E sabe qual é a novidade? Na contramão de todo o país, a tendência é que isso piore.

Por uma infeliz coincidência, três desembargadoras se aposentaram em pouco tempo, e não há indícios de que Ratinho pretenda substituí-las por outras mulheres. Basta lembrar que o governador só colocou duas mulheres em seu primeiro escalão e chegou a nomear um homem como Secretário da Mulher.

A OAB fez a sua parte e indicou várias boas opções de advogadas, mas na primeira vaga Ratinho já tascou o diretor jurídico da Sanepar. Agora está em jogo a segunda e o governador tem três mulheres na lista, incluindo a mais votada. Vejamos o que vem por aí.

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Fraga

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© César Marchesini

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Chase Jenaro. © Zishy

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Chuvas

Bicho líquido de fiel transparência, as chuvas chovem no zinco de nosso teto humilde com a graça quase invisível de ariscas lagartas, e mínimas, muitas, coleantes, uma que vez cândidas.

Quis no verão sua morada, e o ímpeto com que serpenteia da nuvem ao telhado e dali às caleiras da casa, ninho suspenso entre o arrozal e as águas.

Há, contudo, diversas espécies de chuva — de chuviscagens a chuvões, veros maremotos, bebendo a Terra, rios e lagos, riachos e cascatas.

Se me sugas feito um vício eu sou a chuva que teu chão lambe com uma volúpia de amantes entranhados – um no outro encharcados até a última gota e a derradeira raiz mais chã.

Lavas-me o rosto a esguichos; brinco de intempérie sobre o vosso ventre. Líquidos e miasmas, cobrem meu corpo vossas mágoas. Águas? Cantam as calhas nosso lamento, longe, enxurrada em lá maior, aguaceiro, coral de anilhas.

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Mais caro que argentina nova na zona.

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Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão – essa pantera –
Foi tua companheira inseparável.

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fosfóro. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

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A abandonada

Deputados do PL consideram, no mínimo, “muito difícil” a situação de Carla Zambelli, que corre o risco de perder o mandato. O envolvimento com Walter Delgatti, conhecido como o hacker da Lava Jato, seria a “pá de cal”, segundo um parlamentar do partido.

Publicamente, o PL defende Zambelli ao chamar de “barbaridade” a operação da Polícia Federal que fez busca e apreensão de documentos em seu gabinete na Câmara. Reservadamente, os colegas reconhecem que talvez seja preciso “entregá-la” para poupar o ex-presidente Jair Bolsonaro da culpa.

Na coletiva dada pela deputada na quarta-feira (2), apenas 10 parlamentares do PL – de uma bancada de 99 na Câmara – compareceram para apoiá-la.

A rejeição a Zambelli no PL se estende das alas mais moderadas até os bolsonaristas mais radicais, que atribuem às atitudes da parlamentar parte da responsabilidade pela derrota de Bolsonaro. O episódio em que ela perseguiu armada um jornalista pelas ruas de São Paulo é sempre citado pelos colegas como fator determinante para o resultado.

A ausência de uma defesa coordenada e enfática dos colegas, segundo um deputado do PL, é o sinal mais claro possível de abandono. Pode até haver declarações públicas, mas sem esforço para salvá-la.

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Como dantes

O STF dá com a direita e tira com a esquerda. Anula provas colhidas na Odebrecht contra os governadores Sérgio Cabral e Gilberto Kassab e acaba com a prisão especial para diplomados, esse absurdo pós escravagista brasileiro. Ou seja, se os políticos não se comportarem, no futuro cumprirão pena em celas comuns, com o povo fedido das ruas. Mas o STF não desmontou a prisão depois da segunda instância nem o compadrio das elites do poder, judiciário incluso. Que nem a Lei Áurea, dourada no papel, opaca na vida.

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