Mural da História – René Ariel Dotti por inteiro – parte I

No dia 11 do triste fevereiro, sem vacinas para todos, o professor René Ariel Dotti nos deixou, depois de inúmeras batalhas pela democracia, liberdade e cidadania, sendo que, na maioria esmagadora delas, sagrou-se vencedor.

René Dotti jamais escondeu ou esqueceu a sua origem humilde. Ao contrário, sempre a relembrava, muitas vezes com os olhos marejados. Filho de um pintor de paredes e de uma costureira, nascido e criado num “arrabalde” da cidade, como dizia, muitas vezes reconhecia, com incontido orgulho, que sofria da síndrome da perfeição. E arrematava contando que seu pai jamais havia entregue uma parede sem que a pintura estivesse perfeita e que sua mãe nunca havia dado por completa uma costura que também não estivesse inteirada. Relembrava a infância de apertos, dizendo que nunca havia faltado comida em casa. Contava que desde cedo acordava às cinco da manhã, horário em que toda a família já estava de pé na luta pela sobrevivência. O caminho do arrabalde ao Colégio Estadual (onde fez toda a sua formação pré-profissional) era longo. Tinha que acordar de madrugada e caminhar, não havia dinheiro para o ônibus, depois do café da manhã que a mãe lhe preparava. Guardou o costume de acordar às cinco da manhã por todos os seus 86 anos.

Era marcante quando René relembrava o dia em que o pai chegou em casa com um rádio de válvulas, comprado em várias prestações, numa das lojas do centro da cidade. O aparelho era a atração da casa. Contava que acompanhava, com incontida emoção, o “speaker” narrar os gols do seu Coxa Branca. Imaginava as jogadas conforme o locutor ia narrando. Conhecia o Alto da Glória e pela narração sabia exatamente ao lado de qual publicidade pintada na mureta do estádio o ponta esquerda havia cruzado a bola para o “center-forward” saltar mais alto que os “backs” e colocar a bola nos fundos das redes. Não tinha dinheiro para ir ao Estádio Belford Duarte (antigo nome do Couto Pereira) em dia de jogos, mas nas sextas-feiras, antevéspera de clássico (Atlético ou Ferroviário), cabulava as aulas depois do recreio, ao lado de outros colegas do mesmo credo, e iam ao estádio assistir ao “apronto” ou “coletivo”, como diziam os cronistas da época, entre titulares e reservas. Notava que o treinador colocava o “goalkeeper” titular na equipe dos suplentes, os atacantes titulares sempre exigiam mais do goleiro.

Às vezes, entrava em pânico. Os reservas, querendo mostrar serviço, dividiam pesado e um titular acabava lesionado e era baixa para o domingo. Temia que o substituto não desse conta do recado. Mais tarde, quando já ganhava um “dinheirinho”, passou a frequentar o estádio e percebeu que os “speakers” eram muito exagerados nas narrações que faziam. “A bola passava longe e o sujeito gritava que tinha tirado tinta da trave”.

René relembrava que na adolescência pensou em ser médico. Mais tarde, não tendo condições financeiras para pagar um curso preparatório para as pouquíssimas vagas da Faculdade de Medicina da Federal, a única existente, resolveu arriscar o curso de direito, este sim, com 100 vagas. Não tenho dúvidas que, se médico fosse, teria sido um extraordinário cirurgião, salvo milhares de vidas e com seu extraordinário poder de oratória consolaria os familiares daqueles que não pudesse evitar a morte. René Dotti era um cirurgião da vida, sua inteligência era um verdadeiro bisturi que operava coisas maravilhosas em tudo o que fazia. Continue lendo

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O útil do inútil

SABE esses livros grandes, grossos, coloridos, de papel de luxo com fotos de museus, aqueles, sabe, imóveis e empilhados nas salas de visitas? Ninguém tira da pilha para folhear, e se tirar a dona da casa se contorce, incomodada, tremelicada pela quebra da harmonia sepulcral; tanta proteção e isolamento que as folhas grudam umas nas outras; sua única vantagem constatada está na imunidade às traças. Sabe esses livros, claro que sim, você tropeça neles irritado porque, ainda que perfeitos, a norma vigente doméstica os interdita como apoio para os pés durante o futebol ou para ali deixar em repouso o copo de uísque e a latinha de cerveja. Esses livros, sabe, têm utilidade cultural fundamental, que um dia aparece: nivelar mesas e armários capengas.

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Orlando

© Orlando Pedroso

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Descultura

Cultura. Incultura. Descultura. A primeira vem daquilo que você sabe que ainda sabe, mesmo já sabendo menos do que antes sabia; por si só, pode nem conter graça nenhuma. A segunda é quando alguém se confunde entre o que talvez saiba e o que certamente nunca soube; em geral não passam de gracinhas desgraçadas. A terceira surge sempre que se cria uma falsa segunda sem ostentar a primeira; pode ir da graçola óbvia ao gracejo sutil. Por onde sigo agora:

Memórias Póstumas de Dom Casmurro
A mais famosa obra de Dyonélio Machado de Assis narra as lembranças de um corno recém falecido, que é cobrado por um leiteiro até no além.
Alice no País dos Bruzundangas
O genial Lima Carrol leva a velhinha Oligarquia pra bagunçar uma fazenda de criação de coelhos ao lado de uma fábrica de baralhos.
Como era verde o meu francês
Família de mineiros de carvão vem da Irlanda para o Brasil e aqui abre o primeiro restaurante para antropófagos numa aldeia indígena.
O Diário de Anne Frank Sinatra
Filha de crooner se esconde por dois anos na bateria anti-aérea de uma big-band formada por músicos nazistas.
Sangue sobre as neves de Kilimanjaro
Escritor fracassado e ferido, hóspede num iglu, prefere fazer sexo com um leopardo congelado que com a mulher do esquimó.
Michael Jackson do Pandeiro
Filho de nordestina inventa show em que masca chicletes e muda a cor da pele enquanto escorrega para trás em cascas de banana.
Jesse James Joyce
Bandoleiro mitológico usa legendas de cartazes de procura-se para contar a incompreensível odisséia de um lingüista de volta à casa.
Ray Charles Chaplin
Comediante cego célebre por usar uma bengala como microfone vira garoto-propaganda de famosa grife de óculos escuros.

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Bolsonaro discute prisão

O ex-presidente Jair Bolsonaro já discutiu com aliados políticos as consequências de uma possível prisão a partir de investigações que correm no Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro avaliou em mais de uma reunião que o ministro Alexandre de Moraes busca criar um clima para sua detenção e que agora só avalia o “momento certo”, segundo um membro do PL que esteve em um dos encontros.

O ex-presidente e aliados buscaram, nos últimos dois meses, governadores e parlamentares com interlocução com ministros do STF para “sentir o clima”. Seus advogados também entraram em ação.

A ordem é, após Moraes derrubar o sigilo de depoimentos prestados à Polícia Federal de investigados e testemunhas envolvidos em um suposto plano de golpe nesta sexta-feira (15), insistir no discurso de que as medidas discutidas após a derrota na eleição de 2022 não foram adiante e estavam de acordo com o que prevê a Constituição, já que precisariam do aval do Congresso.

Discussões sobre a postura do ex-presidente diante dos avanços das investigações também voltaram à tona com força nos primeiros meses do ano em reuniões internas. Houve, por um tempo, a dúvida entre integrantes do PL se Bolsonaro deveria convocar manifestações ou se a atitude potencializaria o seu desgaste com a Justiça.

Ficou acordo que o ex-presidente, que está encarregado de ser o principal fiador do partido nas alianças para as eleições municipais deste ano, aproveitaria os encontros para demonstrar a sua força popular como cabo eleitoral.

Nesta sexta, Bolsonaro publicou nas suas redes sociais vídeos de visitas a cidades do Rio de Janeiro, entre elas Maricá, Araruama, Saquarema e Iguaba Grande. Todos com multidões ao seu redor. A ideia é rodar o país.

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Mural da História – 10 de novembro, 2014

torquato-neto-70-anos-22 Logo sobre ideia de Durvalino Couto, jornalista e publicitário.

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Flagrantes da vida real

flagrantesVida de cachorro. © Maringas Maciel

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Desaforismos

gbs© Furnaius Rufus

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Pixiedream. © IShotMySelf

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O enigma das pesquisas

As recentes pesquisas que indicam uma queda de prestígio do governo são de difícil interpretação. Evidentemente, cada um tem uma série de motivos para indicar como suspeitos. Mas não há nada em que se possa apoiar de forma conclusiva.

Os indicadores da economia são considerados positivos. Pessoalmente, suspeito de que o preço dos alimentos tenha um pequeno papel, sobretudo na população de baixa renda. Há alguns meses que chamo a atenção para o enlace de dois fenômenos: o El Niño e o aquecimento global. Eles devem ter sido responsáveis pelo aumento do preço de hortigranjeiros e de frutas. Posso constatar isso na feira semanal: a compra que me custava R$ 90 no ano passado custa, agora, R$ 140. Ouço muitas vezes reclamações sobre os preços, sobretudo o da banana.

Apesar dessa constatação empírica, os números não autorizam supervalorizar o aumento do preço dos alimentos. Com tudo o que aconteceu este ano, a inflação de fevereiro, de 0,83%, é praticamente igual à de fevereiro do ano passado (0,84%).

Se o preço dos alimentos tem um discreto papel nesta história, o que mais pode ser anotado em minha experiência empírica?

Ouço muitos lamentos sobre tiroteios e crimes nas áreas mais pobres do Rio de Janeiro, conflagradas pela guerra de traficantes, milicianos e, às vezes, truculentas intervenções policiais. As pessoas clamam por segurança pública, sobretudo na cidade onde moro, e nem todas sabem que é uma atribuição do Estado. Para elas, todos os governos são responsáveis.

Graças a um amigo, tenho a sorte de receber jornais de muitos lugares do mundo. Não vejo governos com grande popularidade. A exceção é El Salvador, onde cresce o prestígio de Nayib Bukele, por causa de uma política de segurança que encarcera grande parte do pequeno país e não reconhece direitos humanos.

Muitos observadores falam da política externa como fator de desgaste. Mencionam a frase de Lula associando a guerra em Gaza a Hitler; e outros ressaltam seu apoio a Nicolás Maduro, na Venezuela.

Também de uma forma empírica, registro que são muito raras as observações sobre política externa nas ruas. No caso de Israel, há uma posição clara a seu favor entre os evangélicos brasileiros e norte-americanos. Isso se deve a uma visão profética que prevê a volta de Cristo e o combate final entre as forças do bem e do mal ali, em Israel.

Neste quadro, dificilmente não haverá desgaste entre eles, mesmo se o governo se limitar à crítica da força desproporcional da resposta israelense ao ataque do Hamas, mesmo se afirmar apenas que não aceita a morte de mulheres e crianças. Aliás, algo que está inscrito na nossa política internacional, pois firmamos a declaração de Dublin sobre a proteção de civis inocentes durante a guerra.

Desde o lançamento do livro de Guy Debord A Sociedade do Espetáculo existe um consenso de que a visão que o público tem de um governo é mais uma impressão do que uma análise minuciosa de seus feitos. No século passado, essa impressão era transmitida pelos jornais, rádio e televisão. Agora, grande parte dessa tarefa se concentra nas redes sociais.

Essa nova situação obrigaria a um estudo detalhado das redes para tentar explicar o que não está muito claro nas pesquisas. Nem tudo o que repercute na imprensa tradicional repercute na rede, e vice-versa.

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Bozo

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Os golpistas legalistas

Militares do segundo escalão da tentativa de golpe apostavam em tese jurídica para convencer chefe do Exército.

A necessidade de argumento jurídico foi um dos assuntos mais comentados pelo segundo escalão do planejamento golpista. Haver uma tese jurídica que se amoldasse o máximo possível à Constituição de 1988 era o que faltava para convencer o general Freire Gomes, segundo militares e ex-militares que eram insuflados por Jair Bolsonaro.

Sabe-se agora que o ex-comandante do Exército e Baptista Júnior, então chefe da Aeronáutica, ganhavam tempo para impedir Bolsonaro de trocar encarregados das forças resistentes ao golpe. Mas, entre novembro e dezembro de 2022, os militares Mauro Cid, Ailton Barros, Laércio Vergílio, Bernardo Romão acreditavam que Freire Gomes tinha medo das consequências caso o plano falhasse.

Laércio cita em conversa com Ailton Barros que o currículo do advogado Ives Gandra Martins pesaria para convencer Freire Gomes de que o golpe era uma forma de garantir a democracia.

Ives Gandra criou a tese, argumentando que as Forças Armadas também eram Poderes e que tinham como missão garantir a harmonia entre os poderes. É com esse espírito que Laércio diz à PF que defendeu a prisão de Alexandre de Moraes, num áudio enviado a Ailton Barros, “para volta da normalidade institucional”.

Sem convencer Freire Gomes, seria preciso trocar a chefia do Exército, pois a Marinha, sozinha, não teria poder para impedir a posse do governo eleito. A saída buscada pelo bolsonarismo, segundo suspeita a Polícia Federal, seria o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, que se reuniu três vezes com Bolsonaro no fim de 2022.

Bernardo Romão afirma à PF que foi procurado por Mauro Cid para repassar ao colega o telefone de Cleverson Ney, assistente de Theophilo. Segundo Romão, Cid estaria interessado em Gaspar de Oliveira – para o lugar de Freire Gomes – porque o militar teria perfil de “alguém que pudesse cumprir ordens”.

Em seu depoimento à PF, Theophilo garantiu que só conversou amenidades nas três reuniões que teve com Bolsonaro, entre novembro e dezembro de 2022; duas delas com Freire Gomes. Afirmou que compareceu ao terceiro encontro, em 9 de dezembro, porque o então chefe do Exército mandou.

Nesta mesma data, segundo áudio obtido pela PF, Jair Bolsonaro mexeu na minuta do golpe. Ao ser confrontado com a informação, Theophilo se calou.

Para piorar, Freire Gomes contradiz Theophilo. Afirma que nunca deu ordem para visita a Bolsonaro. Também destaca à PF que não gostou da ida do subalterno ao então presidente sem autorização. Atos assim são considerados quebra de comando dentro da caserna.

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Mural da História – Fraga – 2015

Dois coitos interrompidos perfazem um
coito completo?
Quantos iletrados são precisos pra compor
um acadêmico?
Três terços formam um trio de rosários
ou um terção?
Nos mapas em escala, dá pra escalar uma
montanha mapeada?
Um ato extraordinário vale quanto em
ações ordinárias?
Se uma grosa são doze dúzias, dá pra
quantificar uma glosa?
Quantas periferias cabem num perímetro
sem parâmetro?
Quando o número do sapato é ímpar,
o par continua par?
Assim como o açafrão, o cifrão pode
ser fracionado?

Etc.

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Ditados

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