Fake news contra Bolsonaro vão da Lei do Feto Armado ao Kit Hétero

Sem as roupinhas de crochê das tias do WhatsApp, bujões de gás devem ter um longo e tenebroso inverno

As eleições estão aí e com elas, as fake news. As tias do WhatsApp darão um descanso para suas agulhas de crochê naquele que promete ser um longo e tenebroso inverno para os bujões de gás, que ficarão sem suas roupinhas.

A oposição a Bolsonaro aprendeu uma dura lição em 2018. Perdemos tempo demais defendendo o terrabolismo e fazendo piada com mamadeira de piroca. Confiamos demais em uma suposta superioridade intelectual em relação aos eleitores de Jair Messias, sem levar em consideração que, entre nós, também havia quem acreditasse na virada do Ciro.

Estudos científicos comprovam que uma montagem no Paint Brush pode ser mais convincente do que um estudo científico. É por isso que um grupo de militantes decidiu sacrificar tudo o que aprendeu em sua formação em ciências humanas e planeja um contra-ataque à altura para salvar o país de mais quatro anos de trevas.

Engana-se quem pensa que é um trabalho fácil. Um brainstorm de fake news contra Bolsonaro exige a criatividade de pelo menos três Gabriel García Márquez sob efeito de ritalina. Se em 2018 circulasse o boato de que Mario Frias seria nomeado secretário de Cultura, ou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, teria dito que o dólar alto era bom porque empregadas domésticas estavam indo para a Disney, ninguém acreditaria.

Entre as ideias mais promissoras até agora está a do Kit Hétero a ser distribuído nas escolas. Uma apostila que ensina crianças a se tornarem mestres cervejeiros, subornar autoridades em caso de atropelamento sob efeito de álcool e combater o “politicamente correto” decorando frases tuitadas por Danilo Gentili.

A nomeação do goleiro Bruno como ministro da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos já é considerada a menina dos olhos por seu potencial de repercussão nas redes. Assim como o projeto da Lei Armamentista Anti-Aborto, apelidada de Lei do Feto Armado, que permite ao SUS introduzir uma minipistola automática no útero de gestantes, garantindo ao feto o direito de se defender de eventual tentativa de aborto.

O risco de o tiro sair pela culatra é grande. No pior dos casos, os ficcionistas teriam um emprego garantido no segundo mandato de Bolsonaro, que certamente se perguntará como não teve essas ideias antes.

“Às armas!”, bradaram os guerrilheiros de outrora. “Ao zap!”, bradam os de 2022.

Publicado em Manuela Cantuária - Folha de São Paulo | Deixar um comentário
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É legal contratar shows milionários de sertanejos?

Os municípios, sem verba para investir na educação, na saúde e em outros itens orçamentários de ampla necessidade social, podem contratar shows de artistas sertanejos, sem licitação e a valores milionários?

Resposta: não podem e essa verba deve ser devolvida pelo ordenador das despesas.

Num ano eleitoral é uma maravilha contratar shows para fazer média com o eleitorado carente e gastar recursos públicos com entretenimento.

Essas contratações caríssimas dissipam em poucas horas o dinheiro público.

Qual o truque?

Seria inexigível a licitação pela singularidade do objeto.

Cremos, todavia, que não pode prevalecer a inexigibilidade.

O Tribunal de Contas da União (TCU) afirma que o sistema de registro de preços não é aplicável nas situações nas quais o objeto não é padronizável, tais como os serviços de promoção de eventos, em que os custos das empresas são díspares e impactados por vários fatores, a exemplo da propriedade dos bens ou da sua locação junto terceiros; de sazonalidades (ocorrência de feiras, festas, shows e outros eventos nos mesmos dia e localidade) ; do local e do dia de realização do evento; e do prazo de antecedência disponível para realização do evento e reserva dos espaços.

Contudo, o mesmo TCU afirma ser possível a realização da modalidade do pregão com vistas à contratação de artistas e bandas de renome local ou regional, pois o objeto é passível de atendimento por qualquer pessoa jurídica que consiga mobilizar os profissionais que atuam no setor nas referidas bases geográficas e não há incompatibilidade entre apresentações musicais e o conceito de serviço comum.

E o gênero musical, quem escolhe?

E o valor do contrato? IO céu é o limite?

E por qual razão as pessoas não pagam pelo show que é bancado com verbas públicas?

Num momento orçamentário do qual a grande maioria dos municípios está com carências em diversos setores fundamentais, nada justifica o pagamento de shows para a população.

A política do pão e circo (panem et circenses), não pode ser validada pelos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, pelo Poder Judiciário ou pelo Poder Legislativo local.

Na dúvida, a despesa deve ser glosada, isto é, considerada ilegal.

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Elas

Charlotte Rampling, The Night Porter. © Sam Edelmam

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Sidney Lumet

Em By Sidney Lumet, o lendário cineasta Sidney Lumet (1924-2011) narra sua própria história numa entrevista inédita dada em 2008 ao diretor Daniel Anker. Com candura, humor e graça, Lumet revela o que é importante para ele como artista e como ser humano. O documentário exibe trechos de seus filmes (44 filmes em 50 anos), entre eles 12 Angry Men (1957), The Fugitive Kind (1960), Serpico (1973), Dog Day Afternoon (1975), The Verdict (1982), para citar apenas alguns.

A cineasta Nancy Buirski combina esses elementos para criar um retrato da obra e da vida de um dos diretores mais habilidosos e influentes do cinema. By Sidney Lumet ilustra as lições éticas e espirituais presentes no núcleo de seu trabalho. Antes de tudo um contador de histórias, suas veementes narrativas morais capturam o dilema e as ansiedades de uma sociedade lutando com seus princípios básicos: como lidar com o outro e com si mesmo? Por Sidney Lumet, 1h 43min, direção de  Nancy Buirski, 2015, EUA.

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Playboy|1970

1979|Vicki McCarty. Playboy Centerfold

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Mural da História

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O Simonal de Bolsonaro

A DITADURA militar teve como talismã o cantor Wilson Simonal, que acabou escrachado pela opinião pública. O sertanejo Gusttavo Lima (na foto) caminha para ser o Simonal de Bolsonaro. O cantor bilionário, herói e símbolo do agronegócio, já teve dois contratos bloqueados pela justiça, cada um pagando-lhe cachês que superam a arrecadação das prefeituras. A última, na Bahia, contratou-o por R$ 2 mi, o mesmo que ela recebera de auxílio pela calamidade das enchentes dois meses antes.

É hora de confrontar a redução do auxílio alimentar do governo, que era de R$ 586 milhões em 2012, para R$ 89 mil neste ano, com a política antissocial do governo. Se o covid só matou 800 mil brasileiros, a fome matará os que escaparam. Normal, como diz o presidente Bolsonaro, “todo dia morre gente de fome e de doença”. O anormal é deixar sertanejo bilionário, contratado por prefeito demagogo e insensível, sem patrocínio – e agora sem financiamentos do BNDES – este o próximo escândalo que vem sendo cavoucado.

Publicado em Rogério Distéfano - O Insulto Diário | Deixar um comentário
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A privatização das praias

Não bastasse o avanço nos pedágios no Paraná com quinze novas praças para exaurir a população paranaense, sem sequer ser consultada. Tramita na Câmara Federal um projeto para privatizar as praias brasileiras para entregá-las para concessionárias.

O projeto de lei 4.444/21 é do deputado Bulhões Jr (MDB-AL), e tramita em regime de urgência na Câmara, para ser aprovado a toque de caixa.

O projeto autoriza a União em transformar orlas e praias marítimas, estuarinas, lacustres e fluviais federais em Zonas Especiais de Uso Turístico (ZETUR), sempre nomes bonitos para excluir as pessoas e devastar o meio ambiente com o pretexto de conservá-lo.

A medida possui várias inconstitucionalidades, dentre elas, o fato de que as praias e orlas pertencem à Zona Costeira, considerada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal, e são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado sempre o livre acesso.

A elitização dos espaços costeiros por essa razão fere a Constituição.

A ideia do projeto, que conta com apoio de bancada do centrão, é privatizar até 10% da orla brasileira.

Isso daria cerca de 750 quilômetros, numa área superior aos litorais de São Paulo (622 km) e Paraná (98 km).

Um estado que se dissolve e obriga os cidadãos a pagarem por coisas públicas de uso comum do povo não pode prevalecer diante da atual Constituição. É a chamada inconstitucionalidade material, isto é, a matéria constitucional não pode ser afrontada por lei ordinária.

O projeto prevê que grandes grupos econômicos se apropriem dessas praias, fixando valores entre 100 e 500 milhões de reais (art. 3º).

Certamente serão faixas com potencial de exploração comercial, eventualmente com cassinos (outro tema que tramita nos corredores mal iluminados do Congresso).

Essa desterritorialização do Brasil é parte da estratégia de afirmar que a iniciativa privada administra melhor os espaços públicos e que o Estado está falido e não tem condições de arcar com os custos de fiscalização do meio ambiente, dentre outras coisas.

Na prática milhões de hectares estão em franca devastação na Amazônia e o garimpo avança sem limites em aldeias indígenas centenárias.

Agora chegou a vez das praias brasileiras?

Publicado em Claudio Henrique de Castro | Deixar um comentário
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Site da Cinemateca tem raridades do cinema brasileiro de graça

Entre os longas disponíveis estão produções da Atlântida e Vera Cruz

A retomada das atividades da Cinemateca Brasileira, paralisadas por 16 meses pela indefinição do governo Bolsonaro sobre a administração do local, incluiu, além da reabertura e da volta da programação presencial, o retorno do BCC (Banco de Conteúdos Culturais), site do órgão que reúne 66 mil materiais, entre filmes, fotos, cartazes e outros documentos relativos à produção audiovisual nacional. Tudo pode ser consultado e assistido de graça.

Sob gestão da SAC (Sociedade Amigos da Cinemateca), o órgão reabriu as portas ao público no último dia 13 de maio. A data culminou o processo de retomada da Cinemateca, iniciado em novembro de 2021, quando a SAC assinou o contrato de gestão com a Secretaria Especial de Cultura.

Na esteira do abandono da Cinemateca pelo governo, o BCC ficou fora do ar entre outubro de 2020 e um dia antes da retomada dos trabalhos, no final de de 2021. “Em algum momento, provavelmente por falha de energia, o servidor que mantém o Banco de Conteúdos Culturais caiu e ficou desligado até novembro do ano passado, quando a área de tecnologia da Secretaria de Cultura conseguiu reativá-lo”, afirma Gabriela Queiroz, diretora técnica da Cinemateca.

Apesar desta retomada, o BCC teve de esperar para ser atualizado. “Até março, nossa prioridade era o acervo físico, as estruturas prediais, os laboratórios, os depósitos. Tivemos de fazer um diagnóstico da situação e ver o que era prioridade. Uma delas era a revisão dos filmes em nitrato de celulose, finalizada em março. Temos 3.000 rolos, é a coleção mais antiga e mais frágil da Cinemateca, pois há o risco de autocombustão. Ela não tolera descaso.”

A primeira atualização do BCC aconteceu em abril, quando 300 fotos de personalidades, como Alberto Cavalcanti, Humberto Mauro e Eva Wilma, foram acrescentadas ao acervo digital. “Foi o possível no momento de reestruturação. A partir de maio, a ideia é atualizar o conteúdo mensalmente, com filmes, fotos, cartazes”, diz Gabriela.

  • ​Alguns filmes disponíveis
  • ‘Caiçara’ (1950)
  • ‘Terra é Sempre Terra’ (1951)
  • ‘Appassionata’ (1952)
  • ‘Sai da Frente’ (1952)
  • ‘Carnaval Atlântida’ (1952)
  • ‘Amei um Bicheiro’ (1952)
  • ‘A Dupla do Barulho’ (1953)
  • ‘O Homem do Sputnik’ (1959)
  • ‘O Cangaceiro’ (1953)
  • ‘Floradas da Serra’ (1954)
  • ‘É Proibido Beijar’ (1954)
  • ‘Nem Sansão Nem Dalila’ (1954)
  • ‘Barravento’ (1961)
  • ‘Deus e Diabo na Terra do Sol’ (1964)
  • ‘Terra em Transe’ (1967)
  • ‘O Dragão da Maldade’ (1969)
  • FORA DO STREAMING CONVENCIONAL

Iniciativa pioneira, o Banco de Conteúdos Culturais foi criado em 2009, mais voltado para pesquisadores. Mas isso não impede que o público em geral aproveite o acervo, disponibilizado gratuitamente. Nele é possível assistir, por exemplo, produções da Vera Cruz e da Atlântida, obras que não estão disponíveis nos serviços de streaming convencionais. Há ainda filmes de Glauber Rocha e também programas e novelas da extinta TV Tupi.

O rigor técnico da catalogação da Cinemateca, pensado inicialmente para o mundo acadêmico, é um prato cheio para quem gosta de cinema e quer saber mais sobre o filme que acabou assistir. No BCC, o espectador pode conferir a ficha técnica completa da obra, que traz dados como quem produziu o filme, sua duração, os nomes da equipe e do elenco, o circuito exibidor e dados de censura.

Todos os materiais possuem uma marca d’água da Cinemateca para proteção dos direitos autorais, mas isso não é obstáculo para aproveitar os longas. Segundo Gabriela, o objetivo agora, com a retomada das atividades da Cinemateca, é aprimorar o serviço.

“O BCC não é um streaming, mas pode chegar lá. Precisamos fazer investimentos em tecnologia para melhorar a resolução dos filmes e criar funcionalidades que deem mais proteção ao conteúdo. Mas, principalmente, precisamos investir no trabalho interno, em catalogação, processamento e digitalização das obras”, diz Gabriela.

Os números do BCC

3.834
cartazes de filmes

53.681
fotos de filmes e personalidades

6.323
telenovelas, reportagens para TV, longas, médias e curtas

24.364
textos, entre roteiros, artigos, manuscritos

PARCERIA COM O ITAÚ PLAY

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Solda vê TV

TV Picasso|década de 1990. Bico de pena sobre papel A|3

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Desayre

Então é que me escreve uma ilha onde o sol quase nunca se põe. E já clamo pela noite – não por seu grito -, mas por tudo o que nela é veludo, luar e a mansa solidão das águas rumorejando nas praias estreitas da ilha de Desayre. Pequena, e quase escarlate pelos corais que a rodeiam, e refletem sobre ela toda a cor feito uma neblina, não é bem, convenhamos, o contrário do dia o que se escreve à sombra tépida de Desayre.

É mais que a noite esse rumor de estrelas a desenhar constelações sobre constelações no céu de Desayre como se ali fosse o pergaminho noturno onde borramos luminiscências e costumamos traçar um desvio celeste com destino ao incerto futuro.

Em Desayre a noite se demora, e cala. Insiste em que é preciso amar o desejo para que ele se cumpra inteiro. É que na ilha de Desayre, e não só nela, as coisas desejadas quase nunca se realizam porque as impedem o Ego, a estranheza, a agrura, e sobretudo o medo, que também é uma forma de o Ego se proteger do que no desejo é delícia e riso, a constância do amor tocado por danças e gargalhares.

Ao Ego, corcunda e roto, o espantam as sombras da ilha de Desayre e nem sombras são, mas a noite, e sua imaginação coalhada de Ovnis e astros, galáxias e inquietos asteróides.

As ondas do grande Oceano transformado em fímbrias e praias, lagoas cercadas de corais, parecem lançar-se à costa da ilha, as ondas, como a insistir: mais e mais, refluxo de espumas; mais e mais neblina escarlate que a tudo comove, vinda dos corais recém-acesos pelo luar, para atingir Desayre, até o cume de suas montanhas, e as pedras da praia por onde passeiam os flamingos misturados ao róseo com que Desayre toda se rabisca se é a noite das e Desayre Desayrestrelas andantes.

Descrita, a ilha, inclusive, nos livros de bordo dos marinheiros de Hérida, igual que um presente do Deus – saciado e radiante com as – até para Ele! -, imprevistas criações. Desayre é, aliás, a única ilha do mundo em que o Deus se surpreende com Suas reinações obsessivas.

Há relatos de alguns navegantes que até hoje se arrependem de não haver aportado em Desayre. Vista de longe, apenas, escarlate, o céu noturno um enxadrezado de estrelas e o revôo dos flamingos que na perdida ilha do Arquipélago de K’an são como as asas da noite a cintilar intensamente. Outra vez o medo a todos paralisava, pondo ao largo frotas e flotilhas, novos e velhos marinheiros.

O esplendor do sinistro – cantou o poeta antigo para celebrar da ilha de Desayre o seu maravilhamento de noite que, ao se escrever a si mesma, dispensava dissertações, autorias, o mais hábil cronista. E só admitia o êxtase, o enlevo, desde que o turvo receio não pusesse tudo a perder, a nos ameaçar, através de Desayre, a vida cômoda e estéril e ágrafa igual que um livro em branco.

Por isso Desayre me escreve nem bem a noite profunda nos abrigue e embale a orfandade tamanha.

18|11|2007

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O tempo, essa persistente ilusão

Ele é uma das criações humanas que nos amparam, ao nos localizar em eixos imaginários

Como sabemos, o tempo não existe. Ele é uma daquelas criações humanas que nos amparam, ao nos localizar em eixos imaginários —como os tabuleiros com reis, deuses, ricos ou demônios, bandidos, monstros. Acreditar numa linha e num sentido nos apazigua. Tenho uma topografia e um projeto: estou aqui e vou para lá. Assim, a gente materializa e conta o tempo. No entanto, Einstein já disse: a diferença entre passado, presente e futuro é apenas uma persistente ilusão.

Eis o truque: para poder contar o inexistente, a gente usa o espaço. Ao riscar esse espaço, inclusive, nos convencemos que o tempo existe e é matematizável. Uma das primeiras formas de fazer isso foi fincar uma estaca no chão e deixar a luz do sol —sua sombra— desenhar o movimento. De ampulheta em ampulheta, grão de areia, metal, laser, íons, criamos várias engrenagens para instaurar Cronos, o tempo dos instantes que se sucedem e valem a mesma coisa. Um minuto é sempre um minuto. Sabemos o quanto a invenção do relógio mecânico foi fundamental para a consciência da modernidade. Mesmo que desejemos a eternidade de Aion, a suspensão da contagem, sempre mortal.

Mas talvez Einstein estivesse certo e quem sabe tempos e espaços se comprimam, expandam e assim se relativizem, para usar os verbos que aprendemos a respeitar a partir do século 20. Do ponto de vista subjetivo isso é indubitável, pois há minutos que trazem revelações, e assim valem horas ou décadas. É o instante, Kayrós, raramente apreensível. Como não lembrar de Proust, Bergson ou Freud? O próprio ato de lembrar já diz quem somos, seres simbólicos por excelência, condenados a buscar a tríade: o eu-agora, o antes de mim, o depois de mim. Isso é o passado, o presente e o futuro, mesmo que uma persistente ilusão. O sujeito, ele sim, existe. E busca entender sua vida, seu entorno e assim cria a antiquíssima arte de narrar histórias e de voltar a elas.

Veja o ano de 2022. Comemoramos 200 anos da chamada Independência de algo como um conjunto de seres bem diferentes que vivem em lugares muito diversos e distantes uns dos outros e falam quase a mesma língua. O leitor já parou para pensar que coisa estranhíssima é dizer Independência ou Morte, e ainda para o próprio pai? Também tem os 100 anos da Semana de Arte Moderna. Quais as formas de sentir, pensar e expressar a vida? Esse embate terminou, entre os antigos e os modernos? A invenção do tempo é uma oportunidade para fazer essas perguntas, sempre difíceis: onde estamos, o que desejamos, o que inventar, para onde ir, como, junto com quem. Que bonito o esforço de parar e refletir. De passear no tempo, de imaginar e planejar. Esse é o processo da análise.

Essas ideias me vieram à cabeça numa exposição que chama justamente “Contar o tempo”, que está no Centro Maria Antonia, em São Paulo. Não sei bem por que, mas me emocionei vendo esse esforço analítico, tão humano. E nossa miséria. Talvez a crueza da escansão das imagens da Carmela Gross ou o efêmero da escrita com água de Marilá Dardot. Ou quem sabe o impacto do verde enegrecido das telas de Dora Longo Bahia ou a busca de Talles Lopes pelas formas niemeyerianas Brasil afora.

Existindo e não existindo, cortamos o tempo sem cessar. Por exemplo, me acalma pensar que em 37 milhões de anos nada mais existirá deste planeta, que há 500 mil anos raspamos uma pedra na outra e conseguimos imitar o misterioso fogo da natureza, coisa que fazemos a cada clic de um isqueiro. Me acalma pensar que há muitos sites com a contagem regressiva de quantos dias, horas, minutos e mesmo segundos faltam para o fim do governo do atual presidente, que em alguns dias meu filho ficará mais velho, que em 48 horas talvez encontremos um novo amor.

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